Este será o primeiro ano que faço as mais lidas, pois foi agora em 2023 que o lado b alcançou mais gente e conseguiu engatar conversas interessantes, embora ele já exista desde março de 2020. Também é uma forma de compartilhar com todo mundo quais foram os temas responsáveis por mais engajar vocês ao longo do ano. Não é difícil imaginar que ecofeminismo e a distopia trans(humana) estão no topo da parada.
Não poderia ficar mais feliz com os resultados do esforço de espalhar a palavra, pois sei que muita gente conheceu o ecofemininismo por conta da newsletter, por meio de textos que ainda não tinham sido traduzidos ou chego à publico, como a eulogia à Maria Mies feita pela Veronika Bennholdt-Thomsen.
Para quem ainda não viu, meu agradecimento à companhia de vocês ao longo desse ano veio em forma de playlist para ouvir nos mais variados momentos, do date à quarta de manhã que precisa daquele ânimo extra. O link dela está aqui. Seguimos com força, foco, fé e um pouco de foda-se em 2024 ✨
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décimo lugar
Foi pelo Instagram da Veronica Gago que fiquei sabendo do falecimento de Maria Mies, no início deste ano. Fiquei profundamente triste porque, de fato, Mies se tornou um grande marco na minha trajetória como feminista, como mulher e como socialista. Embora ela já não escrevesse há algum tempo (seu último livro foi sua autobiografia, The Village and the World: My Life, Our Times, de 2011) ela ainda estava aqui. Como Veronika Bennholdt-Thomsen profere nessa eulogia, a décima track mais lida do ano, a morte de Maria Mies marca o fim de uma era.
nono lugar
Falando nela, a crítica de Mies à tomada dos estudos de mulheres e do movimento feminista pela narrativa pós-moderna, de 1996, foi um dos textos mais lidos do ano. Eu acho particularmente perspicaz a forma como ela analisa o matricídio pós-moderno desde a raiz. O texto é apenas uma seção de um artigo maior, onde a socióloga compartilha sobre experiências com a metodologia da Pesquisa-Ação Participativa Feminista vinte anos após ela conceber os postulados que servem como guia para quem quer fazer uma boa pesquisa feminista.
oitavo lugar
Está um tanto difícil acessar informações e análises sobre a disseminação do discurso de ódio contra mulheres por parte de setores progressistas e radicalizados à esquerda. Na academia, é praticamente impossível encontrar abertura para estudar discurso de ódio se este não for proveniente da extrema direita. Mas há alguma articulação rolando fora dos campos tomados pela distopia transumana, a exemplo do mapeamento feito pelo coletivo Correnteza Feminista, que buscou levantar casos de coação, perseguição e violência contra as mulheres por estas defenderem direitos baseados no sexo e/ou não subscreverem às ideias queer. É um conteúdo para passar e repassar adiante, e que ótimo que está na lista de mais lidos de 2023.
sétimo lugar
Uma das coisas que mais me espanta em relação ao movimento transativista é a sua sacralidade. O autoritarismo que emana das fileiras dessa articulação masculinista talvez não seja de gerar espanto dado que estamos falando de um movimento majoritariamente masculino, que compreende a humanidade feminina através dos olhos pornográficos de sujeito a ser fodido (como afirma Andrea Long Chun. É por isso que a hipersexualização objetificante, incluindo a pornografia e a prostituição, como ferramenta chave para autoafirmação, precisam ser completamente normalizadas e defendidas como instrumentos libertação). Mas é realmente espantoso o silêncio de pesquisadores, academia, governos e mídia acerca das estatísticas e do que significa imputar às mulheres crimes cometidos pela classe sexual masculina, sobretudo crimes sexuais. Mas a sétima track mais lida de 2023 nos lembra que não existe nenhum grupo de ser humano sagrado, menos ainda quando o assunto são grupos de homens.
sexto lugar
Existe muita coisa errada com a academia hoje: a revisão por pares se tornou um problema, a demanda pela produtividade outro problema, o paradigma pós-moderno na ciência outro, o viés explícito dos periódicos outro, a falta de disposição de periódicos e autores de fazerem retratações de artigos outro, o silenciamento outro e, enquanto isso, estamos revivendo pseudociências ao passo que criamos novas. Pior ainda, estamos balizando políticas públicas com base em ideias enviesadas vindas da cabeça de homens pedófilos e misóginos. É tão ruim quanto parece.
quinto lugar
O ano acabou, mas eu continuou não entendendo porque é tão fácil ser contra alimentos ultraprocessados e as corporações que os produzem, mas é tão difícil ser contra pessoas ultraprocessadas e as corporações que as produzem. Será que algum dia o pessoal d’O Joio e o Trigo vai saber me responder essa? Até lá, vocês fazem bem em ler Mary Harrignton, pois, gostemos ou não, a mulher é sagaz.
quarto lugar
A ascensão e queda de Catherine McKinnon, por meio do texto de Seyia Morita, não é apenas uma forma de entender como as ideias queer são capazes de apodrecer tudo o que tocam, mas também é uma forma de navegar no acumulado de contradições do discurso transativista sendo reproduzido a despeito da falta de lógica das suas preposições.
terceiro lugar
Reem Alsalem, relatora especial da ONU sobre violência contra mulheres e meninas, entrou na lista das perseguidas graças à articulação somada de grupos favoráveis à Lei de Alienação Parental e o transativismo. A relatora, inclusive, teve sua visita ao Brasil cancelada de forma unilateral pelo Ministério das Mulheres, em 2023. Grande parte da mobilização contra a relatora aconteceu após seu comunicado dizendo que mulheres e meninas têm o direito de falar sobre sexo, gênero e tudo o que as afeta enquanto mulheres. Aparentemente, dizer que mulheres têm direito de falar e se expressar se tornou o suficiente para ser tachada de fascista. O comunicado foi nossa terceira track mais acessada do ano.
segundo lugar
Tão mal falada quanto uma mulher que transa com todo mundo é aquela que escolhe não transar com ninguém, talvez por isso o tema celibato esteja entre as tracks mais acessadas de 2023. A (im)popularidade do tema está intrinsicamente relacionada ao controle da sociedade acerca da sexualidade das mulheres: o que as fazemos ou deixamos de fazer na cama é da conta de todo mundo (enquanto o que os homens fazem ou deixam de fazer, não é da conta de ninguém, boys Will be boys, afinal). Se você passou uma vida inteira ouvindo que a liberdade da mulher reside no fato dela poder transar com quem quiser, ou melhor, com quantos homens quiser, talvez seja hora de pensar que talvez ela resida mesmo no ato de não transar com homem nenhum.
primeiro lugar
De longe, a track mais acessada em 2023 foi sobre a perspectiva de subsistência da ecofeminista Veronika Benholdt-Thomsen. O texto é uma tradução de sua fala na Terceira Conferência Internacional sobre Decrescimento para a Sustentabilidade Ecológica e a Equidade Social (The Great Transition: Degrowth as a Passage of Civilization) realizada em Veneza, Itália, em setembro de 2012. Depois de traduzir esse texto, eu dei um olá para a Veronika, que gentilmente agradeceu a tradução e disponibilizou a eulogia à Maria Mies para tradução em português.
Os comentários estão abertos! Me conte qual foi a sua track preferida de 2023 e quais temas vocês querem ver por aqui em 2024 👇🏼
Até a próxima,
Marina Colerato