para onde as palavras me levaram
sobre carreira ou estar em todos os lugares sem nunca desviar da rota
Frequentemente me pego refletindo sobre a coerência da minha trajetória profissional. Às vezes, parece que estou em todos os lugares e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum. Me formei em Moda, com ênfase em tecnologia têxtil, em 2009, mas trabalho com comunicação desde 2012 — e com jornalismo socioambiental, especificamente, desde 2017. Ao longo do caminho, além de uma série de cursos livres de escrita criativa, jornalismo cultural, de moda e científico, e comunicação e marketing, fiz pós-graduação em Gestão de Projetos, o que fez todo sentido dado meu papel no Modefica, uma organização de jornalismo e pesquisa eco/feminista onde grande parte do meu tempo era dedicado justamente à gestão de projetos e da organização como um todo.
Em 2023, finalmente finalizei meu mestrado em Ciências Sociais. Digo “finalmente” porque o projeto começou a tomar forma ainda em 2016, mas foi só em 2020 que consegui definir o foco em meio a tantas possibilidades. A curiosidade — esse motor silencioso e persistente — sempre me conduziu. Em 2024, com o Modefica em pausa criativa e reorganizando ideias, iniciei um novo projeto: a Ginna, uma editora eco/feminista independente. Paralelamente, assumi um contrato temporário como Coordenadora de Comunicação em uma ONG europeia alinhada aos mesmos valores que vêm norteando meu trabalho nos últimos anos e sigo, há cinco anos, mantendo a produção de conteúdo aqui no lado b.
Quem olha de fora nem sempre entende — e, muitas vezes, nem eu consigo nomear meu trabalho de forma simples. Desde que me sindicalizei e tirei meu MTB como jornalista, tenho respondido apenas “jornalista” em fichas cadastrais pelo bem da objetividade, embora essa palavra não contemple tudo o que faço.
Recentemente me deparei com o conceito de “pessoas multipotenciais” — primeiro no Instagram do
, depois em um post no LinkedIn em que a compartilhava sua própria trajetória não linear. A definição ressoou em mim: multipotenciais são pessoas movidas por uma curiosidade intelectual e/ou artística em duas ou mais áreas. Elas não seguem uma trilha única do bacharelado ao pós-doc; preferem explorar territórios diversos, conectando saberes, experimentando diferentes formas de atuação. Pela primeira vez, vi uma narrativa possível para o que sempre considerei um certo desencaixe profissional. Não era falta de foco — era desejo de experimentar, de aprender, de construir caminhos próprios.De alguma forma, foi também um alívio perceber que essa vontade de circular por diferentes áreas não era apenas repetição de um padrão familiar. Meu pai tinha muitas ideias de negócio e nunca se contentava em ficar em um único ramo. Ele buscava ganhos financeiros, o que nunca veio na medida que desejava — mas, sobretudo, acredito hoje, buscava algum tipo de satisfação pessoal, senso de propósito e, de uma forma um tanto quanto radical, escapar dos vícios da rotina.
Foi em Londres que tudo se encaixou
Desde os 15 anos, Londres era meu destino dos sonhos — alimentado pelo punk rock e por um desejo juvenil de liberdade criativa. Na minha primeira noite por lá, caminhando por Camden Town em direção ao The Hawley Arms, vi no chão uma estrela com o nome dos Buzzcocks. Não tirei foto. Estava em estado de êxtase. Estava ali não apenas como turista, mas acompanhada de um grande amigo que conheci em Nova York, em 2007 — outra cidade que escolhi como destino pelo seu papel na história do punk. O reencontro, depois de oito anos sem nos vermos, foi simbólico: duas trajetórias cheias de curvas que se cruzavam novamente.
Mas a emoção daquele momento ia além da realização de um sonho adolescente ou do reencontro com um velho amigo. Era também uma celebração silenciosa da minha trajetória profissional — do trabalho de pesquisa e escrita que venho construindo desde 2012, ainda que de formas diferentes ao longo do tempo. Me dei conta de que, mesmo transitando por muitos lugares, a escrita, a investigação e um senso de propósito sempre estiveram no centro do meu caminho. E, no final, consegui ir longe e chegar ali.
Lembrei de quando, na faculdade de moda, uma professora me disse que eu deveria fazer jornalismo. Na época, meu sonho era escrever para revistas como a Elle — o que acabou acontecendo anos depois, quando me tornei a primeira colunista de sustentabilidade da publicação. Lembrei sobre todos os lugares que tive a oportunidade de conhecer nessa trajetória. Lembrei também do gerente da agência de intercâmbio, surpreso quando pedi demissão: “Você vai trabalhar com texto?” Ele — como muitos — já sabia. Eu, talvez, só estivesse começando a entender.
Antes de 2012, vivi em modo sobrevivência. Fiz de tudo um pouco: fui corretora de imóveis, traduzi manuais de motores de caminhão, vendi intercâmbio, fiz faxina em casa de parente. Era o necessário para ajudar em casa e sustentar os cachorros. Mas aquele período me ensinou algo fundamental: que mesmo nos desvios, há pistas sobre o que realmente importa para a gente.
Quando consegui meu primeiro trabalho com comunicação de moda no Bom Retiro, foi um ponto de virada. Além de estar finalmente na minha área, o salário era melhor. Foi nessa transição que ouvi a frase do gerente da agência que ficou ecoando por anos: “Você vai trabalhar com texto?”. A verdade é que sim — e desde sempre.
Depois, como num acerto divino, surgiu a oportunidade de atuar como pesquisadora de tendências e jornalista de moda. Eu não sabia ainda, mas ali começava a costura entre minhas múltiplas formações, interesses e inquietações.
Anos depois, após cinco dias intensos de trabalho em Bruxelas com a equipe da ONG e longas conversas com as mulheres do Jineolojî Center — por conta do livro que vamos lançar pela Ginna —, olhando para aquela estrela no chão, a ficha caiu de vez. Voltei a lembrar da pergunta do gerente, da professora da faculdade, da minha própria vontade de escrever. Percebi que minha trajetória nunca foi apenas uma repetição do padrão inquieto e instável do meu pai. Ao contrário: o que me move é a pesquisa, a escrita, o desejo de entender e contar o mundo, sempre com um compromisso revolucionário como pano de fundo. Antes da Europa, estava no Rio de Janeiro fazendo justamente isso.
Embora algumas coisas ainda faltem — como a tão desejada estabilidade financeira —, olho para trás sem arrependimentos. O que encontro é uma história viva, costurada por curiosidade, encontros, lugares, propósito, pesquisa, dores, escrita e alegrias. Foi nesse reconhecimento silencioso que tudo finalmente fez sentido. E continua fazendo. A Marina blogger de 12 anos saúda a Marina que pesquisa e escreve sobre temas eco/feministas de hoje.
Se você já se sentiu “fora do padrão” profissional - e do mundo - talvez esse texto seja sobre você também.
Até a próxima,
Marina Colerato
Marina tô chorando num café dps desse texto. Que coisa mais linda! Me identifiquei muito, mas de outra forma. Minha trajetória eu teclado me sugeriu tragédia enquanto escrevia trajetória, bem sintomático). Como ia dizendo,Inha trajetória é praticamente inexistente. Formei em gestão ambiental e durante a universidade entendi o que é o feminismo e o quão fundamental essas duas temáticas são na minha vida. Sua produção veio bem depois, mas veio e sou mto feliz por isso. Na universidade entrei em depressão. Severa. E por isso o adjetivo "inexistente" quanto a minha carreira. Hoje vivo em Viena com meu companheiro. Sem trabalho, tentando juntar os cacos nessa tentativa de me reconstruir. Tenho vontade de estudar e pesquisar também e sua dissertação é uma influência mto grande nesse desejo. Enfim, o comentário já vem longo haha mas adoraria saberais de como foi pesquisar e escrever de maneira tão contundente e crítica no Brasil e como tem sido essa colaboração internacional. Talvez Viena tenha algo a oferecer :) um beijo! Venceremos!
Amei esse teu texto! Me identifiquei com tantos sentimentos, do multipotencial, a sonhar em conhecer Londres. Que bom que tu "trabalha com texto". 💜💜💜