entre músicas, memórias e dicas
📌 painel de refs [rock n' roll saved my soul]
Vou aproveitar o fim de semana chuvoso para um texto mais descontraído, algo que não temos por aqui há algum tempo, mas vocês disseram ter interesse em ler. Quando indiquei Moonage Daydream - o incrível documentário sobre David Bowie lançado em 2022 - no Instagram, lembrei o quanto algumas e alguns de vocês também gostam de falar sobre outras coisas, como música, cinema e, para os seguidores de longa data, moda. Então a track de hoje é um painel de refs sobre música. Não qualquer tipo de música, é claro. Nós vamos falar de rock n’ roll.
O título da track não é por acaso. A música sempre teve uma função muito importante na minha vida e eu comecei a ouvir música com gosto ainda criança. Picos de fúria e desespero são superados com nu metal. Talvez sempre reste algo de adolescente em nós. Até hoje, homens com corpos tatuados em cima de um palco segurando uma guitarra são um ponto fraco (peço perdão à Deusa pela fraqueza).
Não sou nenhuma especialista, mas música é uma coisa que eu levo a sério - busco ativamente novas bandas, ouço novos álbuns das bandas que eu gosto do começo ao fim e é difícil encontrar algo mais eficiente que um solo de guitarra para ativar meu botão de vibrações do tipo “viver é massa” (um botão que precisei ativar incontáveis vezes para sobreviver a determinadas fases da vida). Inclusive, se você quer ler essa track ouvindo alguma coisa, minha dica é essa:
Admito que tenho certa dificuldade em superar a barreira da música em relações pessoais. Como alguém pode passar os dias ouvindo uma boy band coreana ou qualquer coisa que está no topo das rádios ao invés de navegar por um universo musical imenso e complexo de múltiplos sentimentos, instrumentos, sensações, letras e melodias está além de mim compreender. Dizem por aí que é difícil separar o autor da obra, e eu digo que é difícil separar os sujeitos do seu gosto musical.
Em alguns espaços da minha vida, eu evito o excesso de problematização. A música é um deles. Óbvio, o rock n’ roll é político de muitas formas - do Ramones ao Rage Against the Machine, do Ratos de Porão à Patti Smith. Como acontece em basicamente todos os lugares, é um meio musical dominado por homens e moldado pelo comportamento masculino. A era de ouro, a época onde bandas de rock estavam ganhando somas inimagináveis de dinheiro ficou para trás e, com ela, um tanto do glamour e dos excessos. Mas é inegável que transar com muitas mulheres e usar muitas drogas ainda é um tipo de rito de passagem e há muita objetificação feminina envolvida, assim como, bem, no meio musical mundo como um todo.
No entanto, o rock n’ roll em suas múltiplas vertentes é composto por muita gente diferente e está disseminado pelo globo, e há mais mulheres envolvidas com ele do que podemos imaginar. Tendo como uma das principais referências o rhythm and blues e o jazz, a primeira música considerada “de rock” da história é da mulher negra norte-americana Sister Rosetta Tharpe (1915 - 1973). Aos 30 anos, ela fazia “sons esquisitos” com sua guitarra e sua música “Strange Things Happening Every Day”, gravada em 1944, é considerada a canção “mãe do rock”.
Basta ouvi-la para saber o quanto ela influenciou nomes como o The Rolling Stones, Chuck Berry e basicamente tudo o que veio depois. Robert Plant, do Led Zeppelin, fez uma música dedicada à Irmã Rosetta. Devo admitir que acho um tanto engraçado o rock n’ roll ser considerado o gênero musical do demônio quando foi, na verdade, uma irmã protestante a pioneira da coisa toda.
Minha história começa com um cd duplo do Guns n’ Roses e um show do D-Sailors, uma banda de skacore do underground alemão, em 2002 no Hangar 110. Eu tinha 15 anos. De lá para cá, fui em tantos shows que perdi as contas, extrapolando uma centena deles e isso se tornou uma das coisas que mais gosto de fazer na vida. Shows de todos os tipos, de um estádio abarrotado para ver o The Rolling Stones ao Cerveja Azul na Zona Leste de São Paulo para ver alguma banda completamente aleatória de hardcore, passando pelo inicio do frenesi dos megafestivas no Brasil com o SWU. O preço dos ingressos era mais barato, as bandas faziam turnês locais e não era preciso arcar com o valor de um festival para ver a única banda que você queria.
Tenho dezenas de histórias hilárias de shows para contar e eu consigo lembrar de coisas marcantes acontecendo na minha vida quando puxo na memória alguns deles, como ver o The Hellacopters pela primeira vez - abrindo para o Deep Purple em 2003 no estádio do Pacaembu - e depois o The Hellacopters novamente um pouco antes da pandemia do Covid-19 bater para valer, no Carioca Club, quase 20 anos depois, o que me trouxe uma avalanche de sentimentos e boas lembranças.









Há também todas aquelas bandas que eu não pude e não poderei assistir como Ramones, The Clash, Johnny Thunders, Richard Hell and The Voidoids, os Sex Pistols, as bandas do movimento Riot e o próprio David Bowie. Os “ídolos mortos” sobre os quais precisamos nos contentar em conhecer por meio da história dos outros e de escritos como Mate-me Por Favor (publicado originalmente em 1996 com o título original de Please Kill Me), mas que, ainda assim, conseguiram deixar uma marca em nossa alma. Se você gosta de ver histórias (mais ou menos) reais, além do livro de McNeil e McCain, e do Lester Bangs, Reações Psicóticas, o clássico Quase Famosos, baseado na história do jornalista da revista Rolling Stone, Cameron Crowe, é a dica.
Para mim, e para praticamente todo mundo que gosta de ir a shows de rock, é sobre se sentir vivo e se deixar levar - em multidão. É sobre ser maluco o suficiente para dar um mosh ou entrar na roda realmente confiando nas pessoas envolvidas. Eu me lembro sobre o primeiro show de rock da minha mãe para além de um no Hangar 110. Nós fomos ver Mötley Crüe e Buckcherry, em 2011, em um Credicard Hall lotado. Neste dia, curiosamente, estávamos esperando a hora de ir ao show quando, de repente, trombamos os integrantes do Buckcherry andando pela rua. Foi inevitável falar que estávamos indo assisti-los e pedir uma foto, fazendo a groupie.
Minha mãe nunca tinha ouvido Mötley Crüe, muito menos Buckcherry, na vida a não ser por osmose. Ainda assim, ela se divertiu horrores e a energia, que só um show de rock pode proporcionar, a fez se sentir viva de um jeito que só uma banda de rock pode fazer. Sei que estamos falando aqui de um clássico do hard rock, com suas calças mega justas, seus cabelos ao vento e seus muitos anos de estrada. Uma explosão de excessos que é um espetáculo por si só, como David Bowie, mas diferente. Talvez esteja aí o motivo do hard rock ser a vertente mais divertida do rock (depois do ska?), e ser uma pena não termos mais tantas bandas do tipo como costumávamos.
Para quem nunca viu, The Dirt é um filme que vale à pena ser visto se você quer sentir um gostinho da era de ouro repleta de mulheres e cocaína. Afinal, Mötley Crüe é uma referência do hard rock não só como música, mas como estilo de vida baseado no clichê sexo, drogas e rock n’ roll. No último dia 04, eles lançaram o single Cancelled - watch your ass, you might get cancelled. Pertinente considerando que talvez eu seja “cancelada” por alguns por gostar de Mötley Crüe 💀
Se você, assim como eu, gosta de um hard/glam rock com muitas referências do New York Dolls e guitarras barulhentas, aqui vai uma playlist para você:
Por pouco, eu não coloco o The Rolling Stones nessa playlist. Embora muita gente os rotule como “rock clássico” há tanto de hard misturado com glam na música - e na história - do Stones que é difícil não visualizar Keith Richards com calça de leopardo, echarpe e jaqueta de couro toda vez que penso sobre eles. Inclusive, passei uma fase muito apegada à figura de Keith após ler as 640 páginas de Vida, sua autobiografia. É impressionante o poder de aproximação que um autor pode causar quando escreve uma biografia, ainda que o mais próximo que estive do The Rolling Stones foi na época do ensino médio, quando Mike Jagger ia ao Saint Paul’s, um colégio britânico vizinho do colégio onde eu estudava, buscar seu filho na escola. Em ritmo de biografia, Stones in exile, disponível no Prime, é outra dica.
Estou fazendo um esforço para organizar a minha biblioteca em playlists, então há outras de onde veio essa e também uma prova de que a vida dá voltas. Há 10 anos, algumas músicas que figuram nas minhas playlists hoje jamais estariam lá. Se você quer checar toda biblioteca de playlists, você pode ir no meu perfil no Spotify e ver se tem alguma para você → https://spoti.fi/3BJnZyX.
Há mais um tanto de coisas que poderíamos falar sobre o tema como, por exemplo, o fato do punk nascer em Nova York e se espalhar pelo mundo com o mesmo sentimento de frustração e raiva por parte da classe pobre com as precárias condições de vida e trabalho. Era a famosa década de 1970 com todas as suas políticas de austeridade econômica. Também há um tanto para falar sobre as mulheres do movimento Riot Grrrl, seu feminismo radical e o livro que está de próximo da fila, Girls to the Front: The True Story of the Riot Grrrl Revolution (2010). Mas essa track já está repleta de referências para descobrir a história e cantar a alegria, a dor, a nostalgia, a raiva, a incredulidade, a fé e a fúria.

De saideira, deixo vocês com a história do CBGB (CBGB & OMFUG, sigla para Country, Bluegrass, and Blues and Other Music For Uplifting Gormandizers), o berço do punk e a história do Hangar 110, a casa underground mais conhecida do Brasil. Infelizmente, perdi todas as fotos que tinha da minha viagem à Nova York em 2007 para me aventurar na história do punk. À época, o CBGB já tinha fechado as portas, perdido para a especulação imobiliária, restava apenas uma lojinha de merchandising. A rua de esquina com a Bowery na altura do CBGB foi renomeada para Joey Ramone Street. Eu perdi essa foto, mas está guardada na memória.
Até a próxima,
Marina Colerato