origens sociais da divisão sexual do trabalho
bônus track #4 [leituras ecofeministas]
Origens sociais da divisão sexual do trabalho*
Por Maria Mies
Versão original: "Gesellschaftliche Ursprünge der geschlechtlichen Arbeitsteilung", Capítulo segundo de Patriarchat und Kapital: Frauen in der internationalen Arbeitsteilung. Zürich: Rotpunktverlag, 1988.
Tradução: Marianna Borges Soares. Graduanda em Direito pela UERJ, membro da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ e pesquisadora do Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio. Tradução publicada originalmente na Revista Direito e Práxis, vol. 7, núm 15, 2016, pp. 838-873. Acesse a tradução original aqui.
Tempo estimado de leitura: 45min
A busca pelas origens sob uma perspectiva feminista1
Desde a década de 1920, quando o positivismo e o funcionalismo tornavam-se orientações dominantes nas ciências sociais ocidentais, a questão sobre as origens das relações desiguais e hierárquicas entre os indivíduos, em geral, e entre homens e mulheres, em especial, é tratada como tabu.
Somente agora essa questão é trazida novamente a debate. Curiosamente, não por acadêmicos, mas por mulheres que participam ativamente do movimento feminista. Independentemente das diferenças entre os diversos grupos e correntes feministas, essas mulheres estão juntas em sua insurgência contra a hierárquica relação homem-mulher. Essa relação não é mais aceita como uma fatalidade biológica. Pelo contrário: é vista como algo a ser abolido. A busca pelas origens sociais dessa relação de dominação entre homens e mulheres é consequência necessária do levante feminista. Para o movimento de mulheres, porém, a questão sobre os primórdios dessa relação não é acadêmica, mas, antes, é parte da estratégia política da emancipação feminina. Ela foi formulada porque nós percebemos que, sem o entendimento das origens, do desenvolvimento e dos mecanismos da desigualdade entre homens e mulheres, não estaríamos em condições de aboli-los.
Essa motivação política e estratégica diferencia nossa pesquisa pelas origens da desigualdade social entre os gêneros de outros esforços investigativos. Seu objetivo não é dar nova interpretação ou explicação a um problema antigo: trata-se, ao contrário, de solucioná-lo.
Nosso problema com a terminologia
Quando as mulheres começaram a se questionar sobre as origens da relação hierárquica entre os gêneros, elas constataram rapidamente que nenhuma das antigas explicações apresentadas pela ciência era suficiente. Pois todas as explicações veem a assimetria social e a hierarquia entre os gêneros como algo, em última análise, biologicamente determinado – e isso significa estar fora do alcance de processos de transformação social.
Esse determinismo biológico velado ou explícito – resumido na declaração de Freud de que anatomia é destino – é provavelmente o maior obstáculo no caminho do conhecimento das causas para a divisão desigual do trabalho entre homens e mulheres.
Esse determinismo biológico latente não é encontrado somente nos evolucionistas, behavioristas, positivistas, funcionalistas e estruturalistas, mas também em parte nos marxistas – ao menos onde falam sobre mulheres. Esse é o caso de Engels, Lenin e mesmo de Marx. Tais conceitos biologistas distorcidos são, entre outros, “natureza”, “trabalho”, “divisão sexual do trabalho”, “produtividade”, “família”.
Em particular, o termo “natureza” é recorrentemente utilizado para representar a desigualdade social ou relações de exploração como algo natural. Especialmente as mulheres devem agir com desconfiança quando seu respectivo status social for explicado por meio de fatores “naturais” como: compulsoriedade biológica à maternidade, constituição mais frágil que a dos homens etc. Sua participação na produção da vida é frequentemente vista como uma função da sua fisiologia, da sua “natureza”. O trabalho doméstico e o cuidado dos filhos são considerados consequências “naturais” do fato de que mulheres têm um útero e podem dar à luz. O trabalho que as mulheres desempenham nessa produção da vida não é interpretado como uma interação consciente de uma pessoa com a natureza, mas como um ato da própria natureza, que gera plantas e animais sem ter autocontrole sobre esses processos. Essa definição da interação feminina com a natureza como ato da natureza possui vastas consequências.
O que se esconde por trás deste conceito – distorcido biologisticamente – de natureza é uma relação de dominação, o domínio dos seres humanos (masculino) sobre a natureza (feminina). Essa relação de dominação está também implicitamente compreendida nos conceitos acima mencionados, como por exemplo no de trabalho. Devido a uma visão biologista da atividade feminina, o seu trabalho doméstico não é definido como trabalho. O conceito de trabalho é majoritariamente utilizado no sentido restrito ao chamado “trabalho produtivo” nas relações capitalistas, e isso significa trabalho que produz mais-valia.
Embora mulheres também desempenhem este trabalho que produz mais-valia, o conceito de trabalho é dotado de uma marca masculina, pois as mulheres são definidas tipicamente no capitalismo como donas de casa, ou seja, como não-trabalhadoras. Os instrumentos de trabalho, os meios de produção corporais, compreendidos no distorcido conceito biologista e androcêntrico de trabalho, são sempre apenas a mão e a cabeça, mas nunca o útero e o seio da mulher. Percebemos assim, que não apenas o homem e a mulher são definidos de maneiras distintas na sua interação com a natureza, mas também que o próprio corpo humano é dividido. De um lado, está sua parte considerada verdadeiramente “humana” (cabeça e mão) e, de outro, a “natural”, isto é, “animalesca”, (genitália, útero, seio). Essa divisão não é exclusivamente atribuível ao sexismo universal dos homens, ela é resultado do modo de produção capitalista. O modo de produção capitalista está interessado somente nas partes do corpo humano que podem ser usadas diretamente na criação de mais-valia ou que possam servir como um complemento da máquina.
O próprio conceito de divisão sexual do trabalho também é biologisticamente distorcido. Observado de maneira superficial, esse conceito sugere que homens e mulheres se dividem nas diferentes e indispensáveis tarefas na produção social. O conceito, porém, oculta o fato de que as atividades masculinas são consideradas aquelas verdadeiramente humanas (isto é, conscientes, racionais, planejadas), enquanto as femininas, por sua vez, parecem determinadas principalmente por sua “natureza”. Além disso, esse termo oculta que, entre atividades masculinas (“humanas”) e femininas (“naturais”), há uma relação de dominação e, em última análise, uma relação de exploração.2
No entanto, quando nos perguntamos sobre as origens da divisão sexual do trabalho, é importante deixar claro que essa relação hierárquica e exploratória é intencional e não meramente uma simples divisão de tarefas entre parceiros iguais.
Sobre o método
A investigação sobre origem da divisão sexual desigual do trabalho não deve ser restringida à busca pelo momento pré-histórico ou histórico em que ocorreu “a derrota histórica mundial do sexo feminino” (Engels, 1969). Apesar dos estudos da primatologia, arqueologia e da pré-história serem importantes para nossa pesquisa, eles só podem nos ajudar se desenvolvermos um novo conceito, não biologista de mulheres e homens e suas relações com a natureza e a história. Segundo Roswitha Leukert, “o início da história da humanidade não é (...) de forma alguma o problema da definição de uma data concreta, mas primariamente o problema de um conceito materialista de homem [o ser humano, M.M.*] e de história” (Leukert, 1976:18). Se adotarmos essa abordagem, podemos afirmar que o estabelecimento de relações desiguais entre homens e mulheres não é uma questão meramente do passado, mas algo que se concretiza diante de nossos olhos. Podemos descobrir muito sobre a formação assimétrica da divisão sexual do trabalho quando examinamos o que acontece com as mulheres do “terceiro mundo” sob a influência da chamada nova divisão internacional do trabalho. Não apenas trabalhadores, camponeses e marginalizados em geral trabalham para o mercado global sob os ditames da acumulação global do capital, mas também no Ocidente, assim como no “terceiro mundo”, se opera uma política sexista específica para submeter todos os povos e classes às relações capitalistas de produção.
Apropriação da natureza por homens e mulheres
Buscar uma concepção materialista de mulheres, homens e sua história significa buscar sua natureza humana. A natureza humana, no entanto, não é um dado meramente biológico, mas o resultado da história da interação das pessoas com a natureza e entre si. Porque as pessoas não vivem simplesmente (diferente dos animais), as pessoas produzem suas vidas. Essa produção da vida tem, desde sempre, ao menos duas dimensões: a produção de meios de subsistência, comida, vestimentas etc. e a produção de novas pessoas (MEW vol. 3: 28 ss). Marx caracterizou posteriormente essa produção da vida como um processo de apropriação da natureza através do trabalho humano:
O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. (Marx, O Capital, Livro I, trad. Rubens Enderle. Rio de Janeiro: Boitempo, 2015. 326-327).
Por meio da apropriação de matéria natural externa, ele, no entanto, altera sua própria natureza:
Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio. (Marx, 2015: 327)
Apropriação da própria corporalidade
De acordo com Marx, o processo de trabalho em sua forma elementar é atividade consciente para a geração de valores de uso. A alteração da natureza própria e externa acompanha esse processo de produção. Isso significa que, em relação a homens e mulheres, eles não alteram apenas o ambiente, mas também seus corpos. Apropriação da natureza significa, então, apropriação da sua própria corporalidade, ou ainda: humanização da sua própria corporalidade.
Cada produção requer um meio de produção. O primeiro – e último – meio de produção com o qual seres humanos atuam sobre a natureza é o próprio corpo. Os corpos são, assim, o pressuposto eterno de todos os demais meios de produção. Contudo, os corpos não são apenas “ferramentas”, com as quais seres humanos intervêm na natureza exterior, os corpos são também o objetivo deste trabalho – isto é, a satisfação das necessidades humanas. As pessoas utilizam seus corpos não apenas para gerar valores de uso: por meio do consumo de seus produtos, elas também mantêm seus corpos vivos, em sentido mais amplo.
Em sua análise do processo de trabalho, Marx não diferencia homens e mulheres. Ele fala de seres humanos como ser genérico [Gattungswesen]. Para nossa pesquisa é, no entanto, importante observar que mulheres e homens intervêm na natureza e dela se apropriam com seus corpos qualitativamente de maneira diferente. Essa diferença entre homens e mulheres na apropriação (ou humanização) da natureza constitui o ponto de partida para nossa análise da divisão sexual do trabalho.
O contexto feminino
Devemos em primeiro lugar destacar a diferença entre o contexto humano e o animal. O contexto humano é Práxis, isto é, ação e reflexão. E mais: é ação, renovada e refletida. Ele inclui não só historicidade, mas também cooperação social. Nesse sentido histórico-social, o próprio corpo é percebido não só como primeiro instrumento de trabalho ou meio de produção, mas também como primeira força produtiva. Ou seja, o corpo humano é concebido como produtivo e adequado no sentido de que ele pode gerar algo novo, isto é, ele pode alterar tanto sua própria natureza quanto a exterior. Assim, ao contrário dos animais, a relação do ser humano com a natureza é também produtiva.3 Na apropriação histórica da produtividade – ou das forças produtivas – do próprio corpo, a diferença sexual entre mulheres e homens teve vastas consequências. O que caracteriza a relação do sexo feminino com a natureza – tanto a sua própria quanto a externa? Inicialmente deve-se observar que a totalidade do corpo das mulheres é tido como produtiva, não apenas suas mãos ou sua cabeça. Por meio do seu corpo elas produzem novas pessoas, bem como seu primeiro alimento. É de suma importância para nosso questionamento que a relação entre dar à luz e amamentar seja vista como uma atividade histórico-social verdadeiramente humana, isto é, consciente.
“É importante observar que mulheres e homens intervêm na natureza e dela se apropriam com seus corpos qualitativamente de maneira diferente. Essa diferença entre homens e mulheres na apropriação (ou humanização) da natureza constitui o ponto de partida para nossa análise da divisão sexual do trabalho - Maria Mies
Mulheres têm a capacidade de dar à luz crianças e de produzir leite. Elas apropriaram-se da sua natureza corporal da mesma forma que os homens, a saber, no sentido de que suas mãos e sua cabeça adquiriram habilidade, por meio de trabalho e reflexão, na criação e manuseio de ferramentas. Por isso, a atividade das mulheres de dar à luz e alimentar as crianças deve ser interpretada como trabalho. Um dos maiores obstáculos à emancipação das mulheres é a interpretação dessas atividades como funções puramente biológicas, comparáveis àquelas de outros mamíferos e, portanto, fora de seu próprio e consciente controle. Essa equiparação da produtividade do corpo feminino com a fertilidade animal é um resultado da divisão patriarcal do trabalho, mas não sua condição. Mulheres observaram e estudaram as mudanças de seus corpos e adquiriram, ao longo de sua história, um valioso acervo de conhecimento empírico sobre as forças produtivas de seus próprios corpos, sua sexualidade, ciclo de suas menstruações, sobre gravidez e parto. Essa apropriação de sua corporalidade está estritamente ligada à aquisição de conhecimento sobre as forças produtivas da natureza, sobre plantas e animais, terra, água e ar.
Nesse sentido, é fundamental que a natureza externa seja compreendida como um organismo vivo e animado (Merchant, 1983). A relação das mulheres com a terra, água, plantas e animais era praticamente uma relação de mulher para mulher, de um ser dotado de espírito a outros, com outros seres dotados de espíritos (cf. Mies, 1984). A produção de algo novo só foi possível quando a mulher, como dizia minha mãe, “colaborou com a natureza”. Esse colaborar-com-a-natureza se referia ao próprio corpo, bem como à natureza externa. Neste conceito de colaboração está de fato expresso que nós atuamos em nossa própria natureza e na externa, mas não que devêssemos submetê-la a nós, mesmo que pudéssemos forçá-la a tanto. Quando seres humanos tentaram fazê-lo, destruíram o “contexto vivo” (cf. Neusüss) entre todos os seres vivos, nos quais também estavam envolvidos.
Mulheres não deram à luz seus filhos como vacas o fazem. Pelo contrário, elas fizeram dessa capacidade algo próprio delas, ou seja, humanizaram-na. Elas refletiram sobre experiências anteriores, aprenderam e as transmitiram a suas irmãs e filhas. Isso significa que elas não eram cegamente entregues às forças geradoras de seus corpos, porém estavam na condição de manipulá-las, inclusive pelo número de crianças que queriam ter.
Dispomos de suficientes exemplos históricos que comprovam que as mulheres compreendiam melhor como regular o número de nascimentos e filhos nas sociedades pré-civilizatórias do que as mulheres modernas, que perderam esse conhecimento em consequência de sua submissão ao processo civilizatório masculino.
Entre coletores e caçadores, e outros grupos primitivos, existiam e ainda existem diversos métodos de restringir o número de nascimentos e filhos. O primeiro era provavelmente o infanticídio, praticado por esquimós, habitantes de Kalahari e por descendentes de tribos da Oceania e Austrália. Mulheres ajudavam outras mulheres durante o parto e homens ficavam na maioria das vezes excluídos. Na tribo aborígene de Kimberley, na Austrália, a mãe decidia se uma criança deveria viver ou não (cp. Fisher, 1979: 202). Em relações patriarcais, o pai, no entanto, é quem decide sobre a vida ou morte de uma criança, sobretudo das meninas. O infanticídio feminino existiu na Índia e na China até os nossos dias.
Aborto e contraceptivos eram outros métodos de controle de natalidade praticados por vários povos primitivos. Para tanto, as mulheres utilizavam diversas plantas como método contraceptivo ou para a interrupção de uma gravidez, como as índias Ute, que utilizavam plantas do gênero litospermo (cp. Fisher, 1979; 203). As índias Bororo no Brasil conheciam uma planta que as deixavam temporariamente estéreis. Os missionários convenciam as mulheres a não utilizar mais essa planta (Fisher, 1979; 203s). Elisabeth Fisher relatou exemplos similares da Austrália, Oceania e do antigo Egito, que há aproximadamente 3800-3500 anos praticavam métodos contraceptivos cujos princípios são até hoje utilizados, como por exemplo o uso de esponjas vaginais, que, imersas em mel, diminuem a mobilidade do esperma, ou a utilização de pontas de acácias, que contêm um ácido que mata os espermatozoides (Fisher, 1979: 205).
Outro método de controle de natalidade disseminado entre povos coletores e caçadores, até hoje empregado, é a amamentação prolongada. Robert M. May relatou pesquisas que comprovam que em quase todas as sociedades primitivas de povos coletores e caçadores a fertilidade4 era menor do que em quase todas as sociedades civilizadas contemporâneas. Pela amamentação prolongada, a ovulação é inibida e como consequência, há longos intervalos entre os nascimentos. Além disso, observava-se um início muito mais tardio da puberdade em comparação aos povos civilizados (May, 1978: 491). Baseado nessas pesquisas, May critica a visão de que o crescimento populacional equilibrado – como era no tempo desses povos antigos – seria a consequência de brutais guerras por sobrevivência e erradicação, mas ele também descreve esse fato como “práticas culturais que contribuem inconscientemente para a redução da fertilidade” (May, 1978: 49155). Não lhe parecia uma possibilidade que essas práticas poderiam ser desempenhadas consciente e culturalmente pelas mulheres.
A produção de nova vida, de novos homens e mulheres, está intimamente ligada à produção de meios de subsistência para essa vida. Mães que davam à luz e amamentavam eram também levadas a obter comida para si e para essas crianças. A apropriação de suas capacidades corporais de produzir filhos e leite, as tornou também as primeiras fornecedoras do alimento diário. A primeira divisão do trabalho entre os sexos, a saber, entre a atividade de coleta das mulheres e a caça esporádica dos homens, tem como fundamento o fato de que as mulheres tinham, por necessidade, a responsabilidade pela sua própria subsistência e de seus filhos pequenos. A coleta de alimentos duráveis: plantas, grãos, raízes, nozes, pequenos animais, peixes etc. era desde o princípio uma atividade social.
A necessidade do abastecimento diário de alimentos para si e seus filhos levou as mulheres a terem um rico conhecimento sobre as plantas, a terra, as águas e as estações do ano. Essa coletânea de experiências ao longo de milhares de anos levou finalmente à invenção do cultivo regular de plantas. Segundo Gordon Childe, essa invenção ocorreu no período neolítico, principalmente na Eurásia, onde houve o primeiro cultivo de cereais silvestres. Ele e diversos outros cientistas narram essa invenção em conjunto com as ferramentas utilizadas pelas mulheres (Childe, 1976; Reed, 1975; Thomson, 1960; Bornemann, 1975; Chattopadhyaya, 1973; Ehrenfels, 1941; Briffault, 1952).
A produção de nova vida e de alimentos não é apenas uma atividade consciente e humana, é também produção social. Ao contrário dos homens adultos, que podiam coletar e caçar para si sozinhos, as mulheres eram levadas a obter comida para si e para seus filhos. Isso significa que a sua relação com a natureza era de cunho social. Elas não eram apenas as inventoras da primeira economia produtiva, a saber, a agricultura, mas também as inventoras das primeiras relações sociais, as relações entre mães e filhos. Essa relação é constantemente interpretada numa visão biologista de “instinto materno”. Todas as ideologias fascistas mistificam a relação mãe-filho como condicionada ao instinto e remetem a mulher, dessa forma, ao reino da natureza.
Vários cientistas chegaram à conclusão de que os grupos de mães e crianças eram as primeiras células da sociedade e que mães e crianças trabalhavam juntas na coleta e na capinagem. Esses autores entendem que homens adultos eram apenas temporária e perifericamente integrados nesses grupos matrísticos6 primitivos (Thomson, 1960; Briffault, 1952; Reed, 1975; Fisher, 1979). Martin e Voorhies acreditam que esses grupos matricêntricos coincidem com uma fase vegetariana da evolução dos hominídeos. “Homens adultos não tinham uma ligação permanente com essas unidades mãe-filho, salvo no seu nascimento”. (Martin e Voorhies, 1975: 175). As forças produtivas que se desenvolveram nessas células não eram apenas de caráter tecnológico, mas em especial uma capacidade de cooperação humana no sentido de refletir o “planejamento para o amanhã”, desenvolvendo a capacidade de aprender tanto com experiências prévias quanto com o outro, o desenvolvimento de corresponsabilidade.
Nós podemos sintetizar a relação das mulheres da seguinte forma:
a) Sua interação com a natureza é um processo recíproco. Elas compreendem seu próprio corpo como produtivo, assim como elas compreendem ser a natureza também produtiva e não somente como material para sua produção.
b) Apesar de se apropriar da natureza, essa apropriação não gera relações de propriedade e dominação. Elas não se veem nem como proprietárias de seus corpos nem da natureza, pelo contrário, cooperam com as forças produtivas de seus corpos e da natureza para a produção da vida.
c) Como produtoras de nova vida, elas são também precursoras da primeira economia de produção. Sua produção é desde o início produção social e inclui a criação de relações sociais, ou seja, a criação da sociedade.
Da forma que evoluiu ao longo da sua história e como materialmente sempre se deu, a relação do feminino com a natureza, foi modificada por efeito do processo civilizatório patriarcal, de modo que a maioria das mulheres perdeu a conscientização sobre sua própria produtividade, que ainda subsiste.
O contexto masculino
Semelhante à relação feminina com a natureza, a relação masculina tem uma dimensão material-corporal e histórica. O lado corporal dessa relação mostra que os homens tomam a natureza para si por meio de um corpo qualitativamente diferente do das mulheres. Os homens não conseguem compreender seus corpos como produtivos da mesma forma que mulheres, pois eles não geram nada de novo de seu corpo.
A produtividade masculina, consequentemente, não pode surgir sem o intermédio de instrumentos e ferramentas externas. A contribuição dos homens para a produção da vida, apesar de necessariamente disponível, pôde se tornar visível apenas no decorrer de um longo processo histórico de influência na natureza externa. O conceito de que os homens têm sua própria corporalidade é um resultado do processo de reflexão da sua influência instrumental na natureza externa. Por isso, os conceitos com os quais homens refletem sobre seus corpos são frequentes analogias de sua interação com a natureza externa e com as ferramentas que eles utilizam em seu processo de trabalho. A autoconsciência masculina, ou seja, consciência da sua humanidade, está, portanto, intimamente ligada com a invenção e o controle da tecnologia. Sem ferramentas o homem não é um ser humano. Este é o motivo pelo qual a tendência é que sua relação com a natureza, tanto sua própria quanto a externa, se torne uma relação instrumental.
É mais fácil para homens compreender a natureza como algo fora de si próprio e esquecer que eles mesmos são parte da natureza, do que para mulheres que sempre são visivelmente lembradas desse fato. A ideia de que o homem, ao contrário dos animais, é, antes de tudo, um “animal que faz ferramentas” [“tool-making animal”] (Franklin) dá origem a esse pensamento.
Essa relação instrumental com a natureza externa também é expressada nos símbolos com os quais homens descreviam seus órgãos corporais em diversas épocas históricas. O primeiro órgão masculino que ganhou proeminência como símbolo da força produtiva masculina não foi a mão, mas o falo. Isso se deu provavelmente quando o arado – um instrumento masculino – sucedeu à pá e enxada da capinagem primitiva feminina. Em várias línguas indianas há uma íntima analogia entre “arado” e “pênis” e, na gíria bengali, pênis simplesmente se chama yantra (o instrumento). Esse simbolismo expressa claramente não apenas uma relação instrumental com a natureza externa e a própria, mas também com as mulheres. O pênis é a ferramenta, o arado, a “coisa” com a qual as mulheres serão “lavradas”. Nesse sentido, a mulher é vista como terra e sua vagina como sulco, no qual o homem planta sua semente.7 Essa analogia torna claro que às mulheres é prontamente negada sua própria produtividade humana. Elas são vistas como parte da natureza externa, que precisa ser lavrada pelo homem.
Muitas analogias entre ferramentas (masculinas) e seus órgãos corporais, sobretudo sua genitália, expressam uma relação caracterizada pela dominação. Antes que os homens pudessem estabelecer uma relação de dominação com a natureza, com as mulheres e com os próprios corpos, eles precisavam desenvolver uma produtividade que, ao menos aparentemente, fosse independente da produtividade feminina.8
Produtividade feminina, a condição para a produtividade masculina
O modelo do homem-caçador
Depois do que já foi discutido, podemos agora, de acordo com Roswitha Leukert, formular a seguinte hipótese para darmos continuidade à análise da formação da divisão desigual do trabalho entre mulheres e homens:
Sociedades matriarcais não são apenas necessariamente o início da História, mas a produtividade matriarcal (feminina) é necessariamente a pré-condição de toda a evolução histórico-mundial até os dias de hoje (Leukert, 1976:53).
Essa afirmação tem um significado tanto analítico quanto empírico-histórico. O significado analítico consiste no fato de que as mulheres são desde sempre as produtoras de novas mulheres e homens, e sem essa produção todas as demais produções e evoluções seriam debilitadas.9
Mais importante para nossa indagação é por ora o significado empírico-histórico da hipótese acima, a que passo a me referir adiante.
A primeira forma de divisão sexual do trabalho com a qual nos deparamos historicamente é aquela entre mulheres, que essencialmente colhiam e posteriormente trabalhavam na capinagem, e homens, que em grande parte se especializavam na caça. Essa divisão de trabalho só poderia surgir com base na produtividade feminina desenvolvida. Ela consiste no fato de que mulheres, como coletoras e agricultoras, estavam na posição de garantir alimentação cotidiana não só para si mesmas, mas também para toda a tribo ou clã. Eram elas quem traziam o sustento não só para seus filhos, mas consideravelmente para os homens, que nem sempre tinham sorte em suas expedições de caça.
Ao contrário do que nos faz querer crer a maioria das teorias neo-darwinistas, foi conclusivamente demonstrado, sobretudo pela visão crítica de pesquisadoras feministas, que a sobrevivência da humanidade se deve muito mais às mulheres que faziam a colheita do que aos homens que caçavam,. Dentre caçadores e coletores (que – ressalte-se – ainda são existentes), as mulheres obtinham até 80 por cento da alimentação diária, enquanto os homens contribuíam com uma pequena parcela através da caça (Lee e De Vore, 1976, apud Fisher, 1979:48). Martin e Voorhies demonstraram através de uma análise secundária de uma amostra de caçadores e coletores do Atlas etnográfico de Murdock, que 58 por cento da subsistência dessas sociedades era constituída por colheita e 25 por cento por caça, sendo o resto por colheita e caça conjuntamente (Martin e Voorhies, 1975: 181). De forma semelhante relatou Jane Goodale sobre as mulheres Tiwi na Austrália, que eram tanto coletoras quanto caçadoras de pequenos animais. 50 por cento de sua alimentação era obtida pela colheita, 30 por cento pela caça e 20 por cento pela pesca. Ela escreve:
As mulheres não só podiam obter a maior parte da demanda diária de diversos alimentos para os integrantes do acampamento, como efetivamente o faziam... A caça dos homens demandava especial destreza e força, mas os pássaros, morcegos, peixes, crocodilos, dugongos, tartarugas, com os quais elas contribuíam para o ambiente doméstico, eram mais artigos de luxo do que alimentos (Goodale, 1971: 169).
Esses exemplos deixam claro que, entre povos primitivos ainda existentes, a caça de forma alguma tinha ou tem a relevância econômica que lhe é atribuída, e que as mulheres eram quem obtinham a maior parte dos meios de subsistência dos grupos. Além disso, todos os caçadores de animais de grande porte eram dependentes dos alimentos duráveis, obtidos pelas mulheres, quando eles iam a uma expedição de caça. Essa é a razão pela qual as mulheres Iroquesas mais velhas tinham direito à palavra em decisões sobre expedições de caça e ataques de guerra. Quando elas se recusavam a entregar mantimentos aos homens que faziam as expedições, a caça ou a guerra eram então suspensas (Leacock, 1978: 253; Brown:1970).
Elisabeth Fisher fornece não só outros exemplos de povos coletores e caçadores ainda existentes, nos quais as mulheres obtêm a principal fonte de alimentação diária através da colheita, sobretudo nas zonas temperadas e ao sul, mas também apresenta a tese de que a colheita de alimentação vegetariana desempenhava um papel mais importante do que a caça para nossos antepassados. A partir do estudo de coprólitos – excrementos fossilizados – conclui-se que a alimentação de grupos que viveram na Riviera francesa há 200.000 anos consistia principalmente em mexilhões, ostras e grãos, mas não carne. Coprólitos de doze mil anos do México apontam que o painço era a principal fonte de alimentação (Fisher, 1979: 57s). Esses exemplos deixam claro – quando o sadio bom senso já o faz – que a humanidade provavelmente não sobreviveria caso a produtividade dos caçadores fosse a base da subsistência cotidiana das primeiras sociedades de seres humanos. Não obstante, livros e filmes científicos populares, mas também cientistas renomados, difundem a visão de que o homem-caçador foi o grande transmissor cultural da humanidade. Após Raymond Dart, que em 1925 alegou que os primeiros hominídeos de um milhão de anos atrás confeccionavam suas primeiras ferramentas a partir de ossos de membros da mesma espécie que estavam mortos (cp. Fisher, 1979: 49s), antropólogos neo-evolucionistas e pesquisadores comportamentais, como Konrad Lorenz (1963), Robert Ardrey (1966, 1976), Lionel Tiger e Robin Fox (1976), defenderam a hipótese de que a caça seria o motor do desenvolvimento humano e que as atuais relações de dominação entre mulheres e homens teriam se originado da “biogramática” (Tiger e Fox, 1976) dos caçadores pré-históricos.
De acordo com esta hipótese, o caçador (masculino) é não só o criador das primeiras ferramentas (ou seja, armas), mas também do andar ereto, pois ele devia ter suas mãos livres para lançar e atirar. Ele é também o provedor, o protetor e o senhor das frágeis e dependentes mulheres e crianças. Além disso, ele é o engenheiro social, o criador das normas sociais e sistemas hierárquicos, que tinham sobretudo um único objetivo: reprimir a agressividade biologicamente programada dos homens na sua disputa pela fêmea.
Tiger e Fox descrevem essas relações entre os primatas da seguinte forma:
Os primatas machos lutam para ascender ao topo da hierarquia masculina de modo a tornar a fêmea sua súdita, para fins de satisfação sexual... O esforço dos primatas humanos, que mostra diferenças aparentemente marginais, mas na realidade profundas, se trata de alcançar o topo da hierarquia masculina, a fim de ganhar o controle sobre as integrantes fêmeas do seu próprio grupo, para que ele possa trocá-la por mulheres de outro grupo (grifos: Tiger e Fox). Dessa forma eles se proporcionam entre si satisfação sexual e privilégios políticos (Tiger e Fox: 1976).
O “desempenho cultural” desses primatas caçadores masculinos baseia-se, portanto, no fato de que eles “ascenderam” através do estupro e submissão das mulheres por meio de trocas. Para Tiger e Fox, a divisão assimétrica do trabalho entre homens e mulheres já é algo evidente nos primatas e biogramaticalmente definido: os homens como provedores de alimentação carnívora, cobiçada pelas coletoras, estavam na condição de subjugar permanentemente as mulheres como objetos sexuais e abelhas operárias. A caça coletiva seguia, além disso, o princípio do “vínculo masculino”, pelo qual os homens seriam supostamente capazes de construir comunidades, tribos, estados etc., mais complexos.
Em virtude de novas pesquisas (próprias e de outros), cientistas feministas refutaram essa hipótese da primazia da caça, juntamente com as teses sobre a soberania da alimentação carnívora, do princípio do vínculo masculino etc. Suas pesquisas recentes desmascararam o modelo do homem-caçador como uma projeção sexista, capitalista e imperialista das relações de hoje para observar os tempos pré-históricos. A função ideológica dessa projeção é legitimar e atribuir universalidade, atemporalidade e caráter natural às relações de dominação existentes entre mulheres e homens, entre, de um lado, povos e classes subalternizadas e, de outro, seus dominadores e exploradores.
Se hoje estamos em condições de comprovar que os “grandes caçadores” não teriam sequer sobrevivido não fosse a diária produção de subsistência das mulheres coletoras, permanece a questão de por que a produtividade superior das mulheres como coletoras e agricultoras primitivas não estava em condições de impedir o surgimento de uma divisão hierárquica e exploradora de trabalho entre os sexos. Para responder a essa questão, devemos observar as diferentes ferramentas inventadas e utilizadas por mulheres e homens.
Ferramentas dos homens, ferramentas das mulheres
A hipótese do “homem-caçador” está associada à hipótese do “homem-ferramenteiro”. Ferramentas são, diante dessa hipótese, especialmente armas, instrumentos para matar. As ferramentas preservadas mais antigas que conhecemos, as machadinhas de pedra, espátulas, bifaces etc., não têm, no entanto, um caráter claro. Elas podem ser utilizadas para abrir nozes e moer grãos e plantas, desenterrar, raspar e esmagar raízes e podem também ser utilizadas para matar animais. Podemos assumir que elas eram utilizadas por mulheres e homens para ambos os fins. A invenção de ferramentas que podiam, no entanto, ser utilizadas apenas para a caça, a invenção de lanças de arremesso, de arco e flecha, apontam apenas para o fato de que a matança de animais havia se tornado uma importante especialidade para uma parte da sociedade.
Os defensores da hipótese do caçador creem que as primeiras ferramentas foram criadas por homens. As invenções das mulheres na atividade da colheita – incluindo a pesca, armação de armadilhas etc. – e na agricultura primitiva passam despercebidas. Isso se dá provavelmente pois as primeiras ferramentas eram recipientes para apanhar e guardar alimentos: cestas, recipientes feitos de folhas, cascas e mais tarde canecas. Pás rústicas e enxadas foram outras invenções femininas. Note-se que todas as ferramentas das mulheres eram meios de produção no sentido real, o que significa que elas eram utilizadas para produzir algo novo e transportar e armazenar aquilo que era produzido. Os instrumentos de caça, a saber, as armas, não são, no entanto, verdadeiros meios de produção. Eles não podem ser utilizados para outra finalidade senão matar. Arco, flecha e lanças são, consequentemente, verdadeiros meios de destruição. Sua significação está no fato de que elas podem ser utilizadas para matar animais, mas também para matar pessoas. É essa ambivalência dos instrumentos de caça que foi decisiva para o desenvolvimento de relações sociais desiguais, exploradoras e para a divisão desigual do trabalho entre homens e mulheres, e não o fato de que os caçadores adquiriam uma posição hierárquica mais elevada por proporcionarem a carne como alimento rico em proteína. A relevância da caça não está na sua contribuição econômica como tal, mas na sua específica relação com a natureza, que se deixa estabelecer através das armas. As características dessa relação são as seguintes:
a) Armas não são instrumentos para multiplicar ou preservar vidas, mas para destruí-las. Por isso elas podem sempre ser utilizadas contra seres humanos também como um meio externo de coerção.
b) Isso dá aos caçadores um poder sobre seres vivos, animais e pessoas, que não deriva da sua própria atividade produtiva. Caçadores não podem se apropriar somente do que se encontra na natureza, como as coletoras, as plantas e os animais o fazem, eles se apropriam de outros produtores e produtoras com a ajuda de armas, e os dominam.
c) A relação que é transmitida pelas armas é, essencialmente, predatória ou exploratória10, ou seja, com o auxílio de armas uma vida pode ser apropriada e subjugada, mas não produzida. Todos as relações posteriores de exploração entre produção e apropriação não puderam ser mantidas como meios de coerção sem as armas.
d) A relação transmitida por armas possibilita uma relação de dominação entre caçador e natureza e é antagônica ao princípio cooperativo das coletoras. Essa relação de dominação tornou-se um componente integral de todas as futuras relações de produção instituídas pela humanidade. Sem o domínio sobre a natureza e as pessoas, os homens não poderiam ter construído um sistema produtivo, tampouco se compreender como produtivos.
e) A “apropriação do produto natural para satisfazer necessidades humanas” (Marx) se torna um processo de apropriação unilateral com a ajuda de armas e leva finalmente à construção de relações de propriedade, mas não a uma “humanização” do natural.
f) Como os caçadores não caçam apenas animais, mas podiam também assaltar os acampamentos e vilarejos de outros grupos, eles também podiam saquear mulheres e crianças sem portar armas e se apropriar como presas. Há muitas indicações de que nem todo o excedente econômico na forma de gado ou comida representava a primeira forma de propriedade privada, mas sim escravas femininas, que haviam sido roubadas (Meillassoux, 1975; Bornemann, 1975).
Neste ponto é importante esclarecer que não é a caça em si que estabelece uma relação de dominação e exploração entre as pessoas e a natureza e entre as pessoas entre si. Novos estudos sobre povos caçadores ainda vivos demonstraram que os caçadores de forma alguma têm um relacionamento agressivo e dominador com os animais. Os pigmeus, por exemplo, são, segundo as investigações de Colin Turnbulls (1961) um povo extremamente amigável, que desconhece guerra, disputa e feitiçaria. Da mesma forma, sua caça não era algo agressivo, mas era conduzida com sentimentos de pesar e piedade dos animais que eles tinham que matar (cp. Fisher, 1979: 53).
Isso significa que a tecnologia da caça contém apenas a possibilidade de construir relações de dominação e exploração. Enquanto os caçadores permanecerem em seu restrito contexto social, eles não poderiam realizar essa possibilidade. Sua contribuição econômica não era suficiente, eles permaneciam dependentes da produção de subsistência de suas mulheres. Podia haver diferenças entre mulheres e homens, porém os caçadores não estavam em condições de estabelecer um sistema de dominação desenvolvido. As “forças produtivas”11 dessa forma produtiva predatória só poderiam atingir seu pleno desenvolvimento sobre os fundamentos de outras economias de produção desenvolvidas, sobretudo a ampla agricultura e pastoreio executados pelas mulheres.
Pastores nômades guerreiros
Segundo diversos e diversas cientistas, a permanente submissão das mulheres aos homens começou apenas com os pastores guerreiros, que viviam da gestão de gado e invasão em territórios estrangeiros. Elisabeth Fisher acredita que os homens descobriram suas próprias funções reprodutivas por meio da criação de animais, cujo comportamento reprodutivo eles já haviam conhecido enquanto caçadores. Eles descobriram que um touro pode fecundar diversas vacas e essa descoberta levou à eliminação e castração de machos mais fracos. Porém, o touro de procriação tinha que cruzar com o rebanho no tempo que os pastores achavam apropriado. As fêmeas também eram submetidas ao mesmo constrangimento sexual. Isso significa que a livre sexualidade dos animais selvagens foi submetida a uma exploração coercitiva com o intuito da geração de descendentes. É plausível que a manutenção de haréns, roubo e estupro de mulheres, a instituição de linhagens genealógicas de sucessão patriarcal, o gerenciamento de mulheres como uma parte do patrimônio móvel sejam a consequência desse novo modo econômico. Ela só se tornou possível, no entanto, por dois elementos: pela posse de armas dos homens, que possibilitava o domínio sobre animais e pessoas, e pela longa observação do comportamento reprodutivo dos animais. Enquanto os homens modificavam o comportamento sexual e reprodutivo dos animais, subjugando seus interesses, eles descobriram sua própria capacidade de procriação. Com isso, alterou-se também a divisão sexual do trabalho. Para os pastores, as mulheres não são interessantes como trabalhadoras e produtoras de alimentos, mas como procriadoras de filhos, sobretudo de filhos homens. Sua sexualidade e fertilidade eram, por conseguinte, sujeitas à mesma exploração coercitiva como a dos animais. Isso significa que a produtividade foi apropriada pelos homens (cp. Fisher, 1979: 248 ss).
Agricultores
A economia dos pastores nômades era, ao contrário da caça, uma economia de produção. Contudo, é claro que esse modelo econômico não teria sido possível sem um meio de coerção, sem a conquista de novos locais de pastagem, sem o domínio dos patriarcas sobre os animais e as mulheres. Portanto, é provavelmente correto designar os pastores nômades como os pais de toda a dominação, especialmente aquela dos homens sobre as mulheres. Todavia, há diversas indicações de que também eram estabelecidas relações exploradoras entre mulheres e homens entre os agricultores, e não somente apenas na economia de arado, como pressupõe Esther Boserup (1970). Porém também já entre agricultores primitivos da África, onde até hoje o trabalho no campo é primordialmente desempenhado pelas mulheres. Meillassoux (1975a) aponta que principalmente os homens mais velhos dessas “économies doméstiques” estavam em condições de construir seu domínio sobre homens mais jovens e mulheres, pois podiam adquirir mais mulheres que deviam trabalhar para eles. O sistema de casamento era o mecanismo pelo qual eles acumulavam mulheres e riquezas. Meillassoux menciona apenas de passagem neste livro as raízes históricas dessa troca desigual de mulheres, isto é, o fato de que os homens eram livres nessas sociedades para ir em expedições de caça de tempos em tempos, enquanto suas mulheres asseguravam a produção de subsistência através de seu trabalho no campo. A caça, para os homens, era menos uma atividade econômica do que um esporte e uma atividade política. Nas expedições, eles sequestravam mulheres dispersas enquanto faziam a colheita, oriundas de outros vilarejos e tribos. Na obra publicada por Meillasoux sobre a escravidão na África pré-colonial, há vários exemplos de que tais expedições de caça não apenas apanhavam tudo o que acidentalmente encontravam na mata: mulheres, homens jovens etc., mas que eles realizavam ataques regulares a outros vilarejos, a fim de raptar mulheres. As mulheres que eram raptadas não eram “patrimônio público” de todo o grupo, mas eram apropriadas pelo comandante da expedição, que as tornava suas escravas ou as trocavam como dote. Essas mulheres raptadas eram então uma fonte direta de dinheiro e riqueza (Meillassoux, 1975b).
A escravidão cresceu não a partir do comércio, mas do monopólio dos homens sobre as armas. Antes de escravos puderem ser vendidos, eles tinham que ser apropriados por meio de violência. A apropriação violenta da força de trabalho alheia – em sua maior parte feminina – para o trabalho nos próprios campos e para a venda era vista por esses caçadores-guerreiros como a atividade “mais produtiva”. Os caçadores-guerreiros da África viviam num sistema econômico baseado no trabalho de campo produtivo das mulheres. Eles eram os cônjuges dessas trabalhadoras do campo, e sem a sua fabricação de milho, cerveja e outros alimentos eles não poderiam partir em suas expedições de caça. A “produtividade” desses homens foi, portanto, descrita por um ancião da tribo Samo em Alto Volta, como a produtividade de arco e flecha, pela qual todos os outros produtos podiam ser adquiridos: milhos, feijões, mulheres etc.
Nossos ancestrais nasceram com sua enxada, sua picareta, seu arco e sua flecha. Sem arco não se pode trabalhar na mata. Com o arco se adquire o mel, as castanhas, os feijões e então adquire-se uma mulher, depois crianças e finalmente pode-se comprar animais domésticos, cabras, ovelhas, burros e cavalos. Essas eram as riquezas de então. Trabalhava-se com arco e flecha na mata, pois sempre poderia haver alguém que o surpreenderia e o mataria. (...) Havia “comandos” que percorriam a mata para capturar mulheres e homens isolados. Cada comando consistia em cinco ou seis homens. Os capturados eram vendidos (F. Héritier in Meillassoux, 1975b: 491).
Essa passagem mostra claramente que os homens Samo atribuíam sua produtividade à posse de armas, pela qual eles podiam se apropriar de forças de trabalho alheias, que poderiam lhes servir ou ser vendidas por eles. A razão dessa percepção é a seguinte: o que era capturado na mata é propriedade privada, ao contrário da terra e dos bens dela produzidos, os quais pertenciam aos vilarejos ou ao clã. Essa propriedade privada era apropriada pelo chefe hereditário (antigamente o “mestre da chuva”), que vendia esses prisioneiros a outros clãs, seja como esposas a “preço de noiva” (no caso dos Samo eram vendidas em troca de búzios, que valiam como dinheiro), ou como escravas pelo trabalho no campo ou em troca de uma quantia pelo resgate aos clãs de origem desses prisioneiros.
Escravas mulheres tinham um valor mais alto do que escravos homens, dado que elas eram duplamente mais produtivas: elas trabalhavam no campo e podiam produzir novos escravos. Em seus ataques a outros vilarejos, os Samo matavam principalmente os homens capturados, visto que eles não representavam vantagens econômicas para eles. Mulheres e crianças eram, em contrapartida, escravizadas e vendidas (Héritier in Meillassoux, 1975b: 484).
Jean Bazin, que examinou a guerra e escravidão entre os Segu, chama a captura de escravos pelos guerreiros a atividade “mais produtiva” dos homens dessa tribo:
A produção de escravos é de fato uma produção. (...) No contexto geral das atividades predatórias esta é a única prática que é efetivamente produtiva, visto que os saques de mercadorias eram somente a troca do seu local ou manuseio. O momento dominante dessa produção é o exercício da violência contra o indivíduo, de modo a arrancá-lo de sua rede de relações (idade, gênero, descendentes, alianças, linhagens hereditárias, clientela, vilarejo) (Bazin in Meillassoux, 1975b: 142).
Esses exemplos da África pré-colonial deixam explícito não só que a forma predatória de produção dos homens, condicionada à posse de armas, só pode se tornar “produtiva” quando outra economia de produção, majoritariamente feminina, existe. Eles mostram também claramente a relação direta entre o roubo e o comércio, a “forma superior” do modo de produção improdutivo. A relação não produtiva e predatória entre caçadores e natureza é transposta pelos caçadores-guerreiros às mulheres, que de forma semelhante, eram submetidas a uma exploração coercitiva, tal como com nos pastores nômades. Os caçadores-guerreiros têm um interesse nas mulheres não apenas como máquinas de reprodução, mas também como força de trabalho e meio de troca, ou seja, mercadoria. Mulheres, como únicas e verdadeiras produtoras, em oposição aos homens parasitários e apropriadores, são a única fonte de riqueza.
Em última análise, podemos atribuir a divisão assimétrica, desigual e exploratória de trabalho entre homens e mulheres a essa relação de produção predatória, que é condicionada ao monopólio dos homens sobre meios de coerção, armas e violência direta, pelo qual relações de dominação permanentes entre os gêneros podem ser construídas e mantidas.
Essa conclusão tem consequências abrangentes para a posterior análise do nosso problema.
1. A exploração de seres humanos por seres humanos, das mulheres pelos homens, classes e povos subalternizadas não é o resultado da mera existência de um excedente econômico e de um comércio pacífico, mas, ao contrário, é o corolário da violência direta. O próprio comércio e a própria definição de excedente e riqueza são em si resultados de uma relação predatória, violenta e improdutiva com a natureza e com as pessoas.
Esse conceito de excedente supera aquele desenvolvido por Marx e Engels de mais-produto ou surplus. Segundo Marx e Engels, a existência do mais-produto é a condição material necessária e histórica para a formação das relações sociais exploradoras, isto é, das relações de classe. Eles atribuem a evolução desse mais-produto ao desenvolvimento de meios de produção “mais produtivos”. Nas sociedades em que, através desses meios de produção melhores, se produz mais do que se precisa para o próprio sustento, alguns grupos de pessoas se apropriam desse mais-produto e constroem, dessa forma, uma duradoura relação de classe, que se baseia nas relações de propriedade. O que permanece sem resposta sob essa perspectiva do mais-produto é a pergunta de como e com quais meios ocorre a apropriação desse mais-produto. Há suficientes evidências empíricas de fontes etnológicas que demonstram que a mera existência de um excedente per se não leva à apropriação unilateral por um grupo ou classe – eu penso aqui por exemplo nas grandes festas Potlach ou nas oferendas aos deuses. É evidente que a definição do que é excedente e do que é necessário não é uma questão econômica, mas política e cultural.
Consequentemente, “exploração” não pode ser entendida somente como a apropriação unilateral desse excedente, que é produzido para além da satisfação essencial das necessidades básicas de uma sociedade, mas também como roubo e captura dos meios de subsistência necessários para outras sociedades. Esse conceito de exploração implica, portanto, também as relações que, em última análise, são conquistadas e conservadas mediante violência12.
2. Uma das consequências mais amplas dessas relações de produção predatórias ou exploratórias é a transformação de seres humanos vivos e autônomos, sua força vital e produtividade em recursos naturais, na natureza ou, como diz Marx, em condições de produção, como a terra, água, animais, florestas etc. Essa definição na natureza humana, que anteriormente produziam suas vidas e reproduziam de forma autônoma, afetou primeiramente as mulheres, que eram transformadas em “natureza” através das armas dos homens, para fins de dominação e gerenciamento.
3. A apropriação violenta de produtores e seus produtos através dos não produtores pode também ser vista como o início da dominação de classe na História. A apropriação de produtoras femininas por não produtores masculinos foi o paradigma de todas as formações de classe subsequentes.
A forma predatória de apropriação, que só atingiu seu pleno desenvolvimento enquanto saqueava, roubava e, mais tarde, subjugava outras culturas agrícolas produtivas, não era eliminada enquanto outros modos de produção surgiam. Elas eram meramente transformadas e surgiam novamente em todas as épocas posteriores sob diversas formas, por pressão econômica ou extra-econômica. A divisão assimétrica de trabalho entre homens e mulheres, uma vez violentamente estabelecida, foi conservada através de instituições poderosas como o sistema de casamento, sistema da família, pelo Estado e a construção de enormes sistemas ideológicos, sobretudo as religiões patriarcais. Controle sobre mais mulheres significava controle sobre mais riquezas. Os homens das classes e castas dominantes determinavam não só as relações de produção, como também eram os gerentes e gestores da reprodução social (Meillassoux, 1975b). Em todas as grandes civilizações patriarcais, as relações entre mulheres e homens continham caráter de apropriação e coação, pelo qual as mulheres eram reduzidas a uma parte da natureza dominável.
Aqui é importante ressaltar que o desenvolvimento e imposição desse modo de produção patriarcal e predatório não é, de forma alguma, um processo supra-histórico e universal. Ainda hoje ele não alcançou todos os nichos da sociedade humana (cp. a resistência de diversas tribos contra a evolução moderna). Nós sabemos até agora bastante precisamente quais tribos e povos construíram as grandes civilizações patriarcais através de guerra e conquista. Foram principalmente os arianos, que conquistaram a Índia e a Europa, os semitas (árabes e judeus) e os chineses. Eram sobretudo nômades guerreiros e povos cavaleiros (nômades eurasianos), que através da supremacia de suas armas e seus meios de transporte (cavalos, camelos), consolidaram o roubo como um modo econômico sistemático, adentrando sempre novos territórios. Aqui nós lidamos com processos históricos específicos e não com uma etapa genérica da evolução da humanidade, como frequentemente se crê. A ascensão e a expansão dessas civilizações patriarcais, principalmente aquela que têm suas raízes nas etnias arianas (europeias) e judaicas, ou seja, nossas modernas, baseiam-se em guerra e conquista. Europa não foi conquistada pelos africanos, pelo contrário, europeus invadiram a África. O mesmo vale para as Américas. Tal visão histórica específica da formação dos diversos patriarcados (cuja história ainda não foi suficientemente investigada), também não é facilmente compatível com o conceito unilinear e universal de progresso da História, que, em toda parte, segundo Morgan e Engels, ascendem em degraus sucessivos do comunismo primitivo sobre a barbárie, do feudalismo e do capitalismo ao socialismo e comunismo. Toda a História também poderia ter transcorrido de outra forma.
O “homem-caçador-guerreiro” no feudalismo e no capitalismo
Igualmente na História recente do feudalismo europeu, o modo predatório de apropriação viveu uma Renascença. Dessa vez os objetos de apropriação cobiçados não eram apenas mulheres, escravos, gado e campos de pastos, mas terra, a terra agrícola. A apropriação violenta e saqueadora de territórios estrangeiros, que já não eram terra de ninguém como a mata, formava um componente insolúvel do presente modo de produção, através da classe feudal armada (Elias, 1978; Wallerstein, 1974). Junto com a terra, aqueles que a cultivavam eram também apropriados, os agricultores. Eles eram, juntamente com a terra, as condições de produção para os senhores feudais. Analogicamente às mulheres sob a economia predatória, os agricultores foram “englobados na natureza”. Para os senhores feudais, eles tinham um status semelhantes ao das mulheres, seus corpos não pertenciam mais a eles mesmos, mas àqueles que haviam conquistado a terra mediante a força das armas. Eles eram servos13. Isso significa que, mesmo depois da apropriação violenta ter sido substituída por formas “pacíficas” de controle laboral, o modo de produção feudal se baseava, em última análise, no monopólio sobre meios coercitivos nas mãos da classe dominante. O modelo do caçador-guerreiro predatório mantinha-se válido não só no período inicial dessa época, mas também em seu auge.
O mesmo podemos dizer do capitalismo. Quando a acumulação do capital tornou-se o motor da atividade produtiva, o trabalho assalariado tornou-se a forma dominante de controle de trabalho. É certo que a prevalência dessa relação “pacífica” de exploração entre capital e trabalho, se deu apenas depois de séculos de uma enorme expansão do modo predatório de apropriação. Roubo direto de ouro e prata e de outros produtos desejados nas colônias espanholas e portuguesas na América, de escravos na África, saques e extorsões de produtores primários de temperos e produtos têxteis no sul e sudeste da Ásia revelou-se como a atividade “mais produtiva” da burguesia europeia em ascensão desde o século VX. O capitalismo não eliminou formas brutais de controle sobre a capacidade de trabalho, pelo contrário, como constata Wallerstein, com maior razão, as criou. “Por isso a escravidão (é)... em grande parte uma instituição capitalista, intimamente ligada à antigas etapas pré-industriais da economia mundial capitalista” (Wallerstein, 1974: 88). Trabalho forçado e escravidão são novamente apenas possíveis, quando de um lado os senhores dessa forma de produção detêm o monopólio de armas efetivas e de outro lado estão disponíveis amplos criadouros, fora de sua própria esfera, nas quais as mulheres produzem suficiente “gado humano”, que pode ser caçado, apropriado e subjugado.
Dessa forma, certamente a relação do homem-caçador se altera com a natureza e com as mulheres, tanto as estrangeiras, quanto as próprias. Enquanto nas relações de produção baseadas na propriedade de terra as mulheres eram definidas como “terra” e os agricultores como parte da terra, porque “natureza” era sobretudo vista como terra, nas condições pré-capitalistas os escravos eram retratados principalmente como animais de trabalho e as mulheres como animais de criação desse gado. O que certamente diferenciava o capitalista dos antigos pastores nômades é o fato de que ele não se importa com a reprodução desse gado humano, ele não é primeiramente um produtor, mas um apropriador, correspondente ao modelo homem-caçador. Marc Bloch descreve os problemas dessa escravidão fundadora de um modo econômico:
A experiência já comprovou: de todas as formas de criação, aquela do gado humano é a mais difícil. Quando escravidão, aplicada em grandes empreendimentos, deve se pagar, deve haver uma quantia de carne barata à venda no mercado. Você só pode consegui-la por meio da caça a escravos. Assim uma sociedade mal pode fundamentar uma grande parte de sua economia sobre seres humanos domesticados, a menos que eles tenham a uma curta distância sociedades mais fracas, as quais eles possam derrotar e saquear (Bloch: 247).
Nesta passagem fica claro que, depois da versão capitalista do modelo homem-caçador, não apenas determinadas mulheres, precisamente as africanas, eram definidas como animais reprodutores de gado humano, mas também era necessário assegurar que a extração desse gado das fêmeas reprodutoras, que se tornaram um recurso natural, acontecia fora da esfera em que o capital era acumulado, isto é, fora da Europa, “de modo que a Europa não precisava se preocupar com as consequências econômicas para a região de reprodução, que através da ampla caça a escravos tinha sua força de trabalho roubada” (Wallerstein, 1974: 89).
O que interessava aos primeiros capitalistas nesse gado humano era apenas sua força muscular, sua energia. A natureza era para eles um reservatório de matéria-prima e as mulheres africanas eram aparentemente um fonte de energia inesgotável. A apropriação predatória dessa força de trabalho humana e sua exploração por meio de violência direta possibilitava à ascendente burguesia europeia a acumulação de seu primeiro capital de investimento. Ela também efetuava, no entanto, a “libertação” dos agricultores europeus empobrecidos da terra e tornava possível sua transformação em trabalhadores assalariados. A transformação das relações feudais entre o suserano e o vassalo em relações contratuais entre trabalho e capital na Europa não teria sido possível sem a utilização de direta violência em massa na África, Ásia, América e a definição desses territórios e sua população à natureza explorável. Poder-se-ia dizer que nessa mesma massa, enquanto os trabalhadores europeus adquiriam sua humanidade ou eram “humanizados”, os trabalhadores e as trabalhadoras da Ásia, África, América do Sul e Europa oriental eram “naturalizados”. A “pacificação” dos trabalhadores europeus, a imposição de um novo controle do trabalho sobre o salário, a transformação de violência direta extra-econômica em violência econômica estrutural, exigia não apenas concessões econômicas, mas políticas.
Essas concessões políticas não eram apenas, como a maior parte das pessoas pensa, a participação dos trabalhadores no processo democrático através do mecanismo democrático do voto, mas o interesse dos trabalhadores homens no paradigma da classe dominante, no modelo dos apropriadores predatórios. Sua “colônia” ou sua “natureza” não é certamente a África, mas as mulheres de sua própria classe. Em relação a essa parte da “natureza”, cujos limites eram demarcados pelas regras do casamento e da família, ele tem o monopólio de-facto da violência, que a classe dominante atribui ao Estado nos centros capitalistas.
A “naturalização” afetou não apenas as colônias em geral e as mulheres da classe trabalhadora, mas também as mulheres burguesas também eram definidas a partir da natureza, como procriadoras e educadoras da maior parte dos herdeiros masculinos da classe dominante. Em contraste às mulheres africanas, cujos produtos (seres humanos) eram apenas roubados e apropriados, as mulheres da burguesia eram submetidas a uma rígida administração e seleção reprodutiva, que as roubava toda autonomia sexual e produtiva. Essa domesticação das mulheres da classe burguesa, sua transformação em donas de casa, dependentes da renda do marido, tornou-se o modelo da divisão sexual do trabalho nas relações capitalistas. O processo de domesticação das mulheres para torná-las donas de casa [Hausfrauisierung ou housewifization] não era apenas a condição para a reprodução mais barata da força de trabalho, mas também uma necessidade política para ter as funções reprodutivas das mulheres – na verdade de todas as mulheres – sob controle. O processo de proletarização dos homens foi então acompanhado da domesticação das mulheres.
Da mesma forma, esse processo de imposição da versão capitalista da divisão sexual do trabalho também não transcorreu de forma pacífica. As mulheres europeias se tornaram, apenas após séculos dos mais brutais ataques contra sua autonomia sexual e econômica, as donas de casa dependentes e caseiras, que a princípio todas nós somos hoje. Em contrapartida à caça aos escravos na África, havia a caça às bruxas na Europa nos mesmos séculos (cp. Capítulo 3). O motivo para essa conexão está na maior contradição do modelo do homem-caçador. Por mais que os homens (capitalistas) buscavam tornar as mulheres parte da “natureza”, delas se apropriar e as explorar, eles eram confrontados com um dilema fundamental: eles não podiam produzir pessoas e tampouco força de trabalho humana sem as mulheres. As armas lhes davam a oportunidade de perpetrar uma forma de “produção” exclusivamente masculina, a saber, a escravidão, que, de acordo com Meillassoux, é um substituto masculino para a reprodução dentro de um sistema de parentesco (Meillassoux, 1978: 7).
No entanto a escravização de mulheres e homens africanos não bastava para tornar homens europeus dóceis escravos assalariados. Por isso era também necessário que as funções produtivas e reprodutivas das mulheres europeias fossem tidas sob controle. Do século XIV ao XVIII não apenas as artesãs foram deslocadas da esfera produtiva pela burguesia urbana ascendente e pelos membros das guildas (Rowbotham, 1974; O’Faolain e Martines, 1973), mas milhões de mulheres, em sua maioria pobres, urbanas ou agricultoras, foram queimadas, torturadas, atormentadas por anos, denunciadas como bruxas, porque elas tentavam exercitar autonomia sobre seus corpos, sobretudo sobre o processo de produção de nova vida. É interessante que nessa época, a mulher ainda não era vista como um ser sexual passivo ou até assexual, como aparecia na segunda metade do século XIX até os anos sessenta de nosso século, isto é, até o início do movimento de mulheres. Pelo contrário, as energias sexuais da mulher eram consideradas uma ameaça ao homem virtuoso, leia-se, o burguês ascendente, cujas energias mental e física deviam ser transmitidas à acumulação de capital e não ao prazer, e cuja “pureza” dos seus sucessores, isto é, os herdeiros do seu patrimônio, deveria ser assegurada.
Para controlar a sexualidade de suas mulheres, os homens eram instruídos a tratá-las e a puni-las de forma severa (Bauer, 1917). Todos esses ataques diretos e ideológicos contra a natureza pecadora das mulheres serviam essencialmente à imposição da hegemonia masculina em todas as esferas econômicas e não econômicas. Ao final desse “processo civilizatório”, encontramos as mulheres suficientemente disciplinadas a trabalhar como dona de casa para um homem ou como trabalhadora numa fábrica, ou como ambas. Elas aprenderam finalmente a direcionar a violência direta, que durante três, quatro séculos foi empregada contra elas, contra elas mesmas, internalizando-a, e a interpretar como espontaneidade e “amor” (Block/Duden, 1977). Igreja, Estado e sobretudo família forneciam necessários pilares ideológicos e institucionais para essa auto-repressão. A separação do local de trabalho da família e a restrição imposta às mulheres formavam, por último, o elemento estrutural para a consolidação da nova forma de divisão sexual do trabalho, pela qual todas as mulheres eram compreendidas como donas de casa e todos os homens como provedores [Brotverdinnern ou breadwinners]. A divisão assimétrica do trabalho, imposta entre mulheres e homens, é o modelo a partir do qual o mundo inteiro está integrado num sistema de divisão do trabalho desigual e explorador. Apesar de, pelo menos nos países industrializados, essa exploração do trabalho humano ter adotado a forma “racional” da troca desigual, a manutenção dessas relações desiguais é sempre garantida por meio de coação direta.
É apenas uma ilusão acreditar que, com o pleno desenvolvimento do capitalismo industrial, as manifestações bárbaras de seu princípio teriam desaparecido completamente e que, portanto, em toda a parte a coerção extra-econômica seria substituída pela econômica, ou seja, a coação pelo salário. Trata-se do contrário. Podemos constatar, em todos os lugares, que a manutenção da divisão internacional exploradora do trabalho requer, em nível nacional, um constante incremento dos instrumentos de repressão estatais e, em nível internacional, uma expansão assustadora da produção de armas. Nenhum Estado industrial moderno aboliu a polícia ou o exército. Pelo contrário. O processo de acumulação não é alimentado somente pela indústria de armamentos: essa produção de armas é também necessária para garantir que a “livre” entrada de matérias-primas baratas e mercadorias de países subdesenvolvidos nos países industriais transcorra sem problemas. A divisão internacional do trabalho ruiria imediatamente se ela não sustentasse, em última análise, os países industriais capitalistas por meio da supremacia militar.
Em síntese, podemos dizer que as variadas formas da divisão assimétrica e hierárquica do trabalho, evidenciada ao longo da História, é, até a nossa época, baseada no modelo predatório e armado do homem-caçador, que se apropria de produtores e produtos sem produzir por si mesmo. Sua assim chamada produtividade pressupõe a exploração da natureza e de outros produtores e produtoras. Wallerstein expressa isso da seguinte forma:
(...) aqueles que criam força de trabalho humana sustentam aqueles que cultivam alimentos, que por sua vez sustentam aqueles que produzem outras matérias-primas, que sustentam aqueles que participam da produção industrial (Wallerstein, 1974: 86).
O que Wallerstein esquece de mencionar é que todos esses produtores e produtoras mantêm não-produtores, que em última análise controlam toda essa hierarquia de exploração através de armas. No centro desse paradigma está o fato de que não-produtores se apropriam (e consomem ou investem) do que outros criaram. O homem-caçador/guerreiro é essencialmente um parasita.
Maria Mies é uma estudiosa feminista marxista conhecida por sua teoria do patriarcado capitalista, que reconhece as mulheres do terceiro mundo e a diferença. Ela é professora de Sociologia na Fachhochschule em Colônia, Alemanha, mas se aposentou do ensino em 1993. Desde o final dos anos 1960 ela está envolvida com o ativismo feminista. Em 1979, no Instituto de Estudos Sociais de Haia, fundou o programa Mulheres e Desenvolvimento. Mies também escreveu livros e artigos que tratam de temas relacionados ao feminismo, questões do terceiro mundo e meio ambiente. Você pode encontrar dois dos seus livros traduzidos para o português: Ecofeminismo, escrito com Vandana Shiva, com prefácio de Ariel Salleh, traduzido pela editora Luas; e Patriarcado e acumulação em escala mundial, com prefácio de Silvia Federici, traduzido pela editora Ema.
Referências bibliográficas:
Ardrey, R. The Territorial Imperative, Atheneum, New York, 1976.
Ardrey, R. The Hunting Hypothesis, Atheneum, New York, 1976.
Bauer, M. Deutscher Frauenspiegel, München, Berlin, 1917.
Bazin, J. ‘Guère et Servitude à Ségou’, in Meillassoux, C. (ed.) L’esclavage dans l’Afrique pré-coloniale. Maspéro, Paris, 1975.
Bloch, M. Cambridge Economic History of Europe I.
Block, G & B, Duden, “Arbeit aus Liebe, Liebe als Arbeit. Die Entstehung der Hausarbeit im Kapitalismus”. In: Frauen und Wissenschaft, Beträge zur Berliner Sommeruniversität, Courage Verlag, Berlin, 1976.
Bornemann, E. Das Patriarchat: Ursprung und Zukunft unseres Gesellschaftssystems, S. Fisher, Frankfurt, 1975.
Boserup, E. Woman’s Role in Economic Development. St. Martin’s Press, New York, 1970.
Briffault, R. The Mothers. Atheneum, London, 1952.
Brown, J. ‘Economic Organisation and the Position of Women among the Iroquois’, Ethnohistory, no. 17 (1970), pp. 151-67.
Chattopadhyaya, D. Lokayata: A Study in Ancient Indian Materialism. People’s Publishing House, New Delhi, 1973, 3. ed.
Childe, G. What Happened in History. Penguin Books, London, 1976.
Ehrenfels, O. R. Mother-Right in India. Hyderabad,1941.
Elias, N. Über den Prozeß der Zivilisation Bd. I & II. Suhrkamp, Frankfurt, 1978.
Engels, F. Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staates. Marxistische Blätter, G.m.b.H., Frankfurt, 1969.
Fisher, E. Woman’s Creation. Anchor Press, Doubleday Garden City, New York,1979.
Goodale, J. Tiwi Wives. University of Washington Press, Seattle and London, 1971.
Héritier F. ‘Des cauris et des hommes: production d’esclaves et accumulation des cauris chez les Samo (Haute Volta)’ in: Meillassoux, C. (ed.): L’esclavage dans l’Afrique pré-coloniale. Maspéro, Paris,1975b.
Lorenz, K. On Aggression (Methuen, London,1963).
Leacock, E. ‘Women’s Status in Egalitarian Society: Implications for Social Evolution’, Current Anthropology, vol. 19, no. 2, June 1978.
Lee e De Vore, 1976,
Leukert, R. ‘Weibliche Sinnlichkeit’, unpublished Diploma thesis, University of Frankfurt, 1976.
Martin, M.K. & B. Voorhies. Female of the Species. Columbia University Press, New York, Lodon, 1975.
Marx, K. O Capital, Livro I, trad. Rubens Enderle. Boitempo, Rio de Janeiro, 2015.
_______ & F. Engels. Selected Works, vol. 3. Progess Publishers, Moscow, 1977.
May, R.M. ‘Human Reproduction reconsidered, Nature, vol. 272, 6 April, 1978.
Meillassoux, C. Femmes, Greniers et Capitaux. Máspero, Paris, 1974. Versão alemã: Die Wilden Früchte der Frau. Syndikat: Frankfurt, 1975a.
Meillassoux, C. (ed.). L’esclavage dand l’Afrique pré-coloniale. Maspéro, Paris, 1975b.
____________, ‘The Progeny of the Male’, paper read at the Xth International Congress of Anthopological and Ethnological Sciences, December 1978, New Delhi.
Merchant, C. The Death of Nature: Women, Ecology and the Scientific Revolution. Harper & Row, San Francisco, 1983.
Mies, M. ‘Frauenforschung oder feministische Forschung’, Beiträge zur Feministischen Theorie und Praxis, no. 11, 1984.
Mies, M. (assisted by K. Lalita & K. Kumari). ‘Indian Women in Subsistence and Agricultural Labour’, World Employment Programme (WEP), Working Paper, no. 34, International Labour Office, Geneva, 1984.
Neusüss, Ch. Die Kopfgeburten der Arbeiterbewegung, oder: Die Genossin Luxemburg bringt alles durcheinander, Rasch und Röhring, Hamburg, 1985.
____________, “Ist Energie unsterblich?”, in: Die Tageszeitung, 23/04/1988.
____________, “Sie messen und dann essen sie es doch. Von der Wissenschafte zum Aberglauben”. In: M. Gambaroff u.a. Tschernobyl hat unser Leben verändert: vom Austieg der Reauen (rororo). Reinbeck, 1986.
O’Faolain, J. & L. Martines. Not in God’s Image: Women in History from the Greeks to the Victorians. Harper Torchbook, New York, 1973.
Reed, E. Woman’s Evolution from Matriarchal Clan to Patriarchal Family. Pathfinder Press, New York, 1975.
Rowbotham, S. Women, Resistance and Revolution: A History of Women and Revolution in the Modern World. Vintage, New York, 1974.
Thomson, G. Studies in Ancient Greek Society: The prehistoric Aegean, Citadel Press, New York, 1965. Versão em alemão: Frühgeschichte Griechenlands und der Ägäis, Das Europäische Buch, Berlim, 1960.
Tiger, L. & R. Fox. The Imperial Animal, Holt, Rinehart and Winston. New York, 1971. Versão em alemão: Das Herrentier, Steinzeitjäger im Spätkapitalismus, Deutscher Taschenbuch-Verlag, 1976.
Turnbull, C. M. The Forest People: A Study of the Pigmies of the Congo. Simon and Schuster, New York, 1961.
Wallerstein, I. The Modern World-System: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World Economy in the Sixteenth Century (Academic Press, New York, San Francisco, and London, 1974).
Esse capítulo é o resultado de um processo de reflexão longo e coletivo entre as mulheres. Ele se deu nos seminários de mulheres, que apresentei entre 1975 e 1977 na Universidade de Frankfurt. Os pensamentos principais aqui apresentados foram desenvolvidos sobretudo no seminário “Arbeit und Sexualität in matristischen Gesellschaften” [“Trabalho e Sexualidade em sociedades matrísticas”]. O artigo foi apresentado em língua inglesa na conferência “Underdevelopment and Subsistence Reproduction”, na Universidade de Bielefeld, em julho de 1979.
N.T. Em relação à palavra alemã “Mensch”, que denota o ser humano neutro, sem definição de gênero, optamos por traduzi-la aqui como “ser humano”, de modo que o sentido neutro seja preservado.
* Versão alterada de um artigo de mesmo título em: Beiträge zur feministischen Theorie und Praxis, Nr. 3, Frauen und Dritte Welt, Editora Frauenoffensive, Munique 1980: 61-78.
O conceito exploração é compreendido aqui no sentido de que uma divisão aconteceu entre produtores e consumidores, e que o último se apropriou dos produtos e serviços do primeiro, sem produzir por si mesmo. A situação original nas sociedades igualitárias daquelas que consomem (em um sentido intergeracional), são também aquelas que produzem, modificada por relações exploratórias. Esse conceito de exploração aplica-se às relações homem-mulher em outras passagens da História. Sobre os primórdios dessas relações de exploração veja mais abaixo.
* N.T. Essa adaptação na citação de Leukert foi mantida da versão inglesa da obra: MIES, Maria. “Patriarchy and Accumulation on a World Scale”, Zed Books Ltd. Londres: 1998, p. 48.
O conceito “produtivo”, “produtividade”, é usado, daqui em diante, neste sentido abrangente.
Aqui também o conceito “fertilidade” é utilizado entendendo a produtividade geradora feminina como um processo inconsciente.
Na versão alemã, a tradução das citações em inglês e francês foram traduzidas pela autora.
Com Bornemann eu utilizo o conceito de “matrístico” [matristisch] ao invés de “matriarcal” [matriarchalisch], porque mesmo em sociedades matrilocais e matrilineares, mulheres nunca construíram um sistema de poder (Bornemann, 1975).
Uma discussão dessa simbologia de produção e reprodução, sobretudo da analogia de sementes e campo na literatura indiana, é encontrada em Iravati Karve, 1964, Maria Mies, 1973 e Leela Dube, 1978.
Não é por acaso que trabalhadores contemporâneos chamam o pênis de “broca”, “martelo”, “lima”, “espingarda” etc.
Apesar de homens fornecerem sua contribuição para essa produção, o controle sobre esse processo está em última instância nas mãos das mulheres. Como vimos, as mulheres têm decidido desde o início da história, se querem ou não ter filhos. Os homens construíram instituições violentas como família, Estado, religião e direito para arrancar essa decisão das mulheres por meio de real constrangimento e doutrinação ideológica.
A palavra alemã “Ausbeutung” (exploração) manteve essa relação unilateral e antagonista, uma vez que foi derivada da caça.
É necessário adicionar aspas a esse conceito, pois os caçadores não produzem nada de fato, apenas se apropriam.
Essa análise endossa a crítica de Sohn-Rethels à teoria da exploração de Marx. Sohn-Rethel argumenta que a exploração necessariamente precede à troca de meios de subsistência como valores, isto é, mercadorias. “Em outras palavras, antes de que o intercâmbio de meios de subsistência como mercadorias, como troca de bens, possa evoluir às formas sociais de circulação, a exploração tem que ter existido” (Sohn-Rethel, 1978: 43). No entanto, ele não fala como a exploração se originou historicamente.
A servidão das mulheres, isto é, que os seus corpos são propriedade de outrem, não é um resultado do feudalismo, pelo contrário, a servidão feudal dos homens se desenvolveu de acordo com o padrão de apropriação dos corpos das mulheres por guerreiros predatórios.