A lista TERF foi atualizada: sallut ao Partido Comunista Britânico, a Alice Walker e ao biólogo Richard Dawkins
lado b, track 27
É impressão minha ou março teve 200 dias de 40 horas? Parece que o 8M foi há meses, mas só chegamos em abril agora. O bom é que tivemos tempo para reconhecer mais alguns aliados contra o sexoplanismo. Vamos saudar os novos “terfs” ou, como gostam de dizer no brasil, “radfem”. É óbvio que nenhuma das pessoas da lista são de fato feministas radicais porque o feminismo radical não é tão famoso quanto essa narrativa faz parecer, infelizmente. Provavelmente Dawkins não leu Andrea Dworkin. Mas como gostam de tratar os anti-negacionistas como se fossemos todos uma massa homogênea de pessoas realmente más, podemos nos permitir esse consenso poético.
Começaremos com Alice Walker. Para quem não conhece, Alice Walker é uma feminista afro-americana de 79 anos, ganhadora do Pulitzer pelo livro A Cor Púrpura (1986), uma história sobre ser mulher negra no sul dos EUA. Recentemente, Walker falou em defesa de J.K Rowling ao dizer que estavam tentando queimar a bruxa errada. Vamos a um trecho de sua fala:
Como Anciã (o que levo a sério), devo nos lembrar que não existe uma “bruxa certa” para queimar. Talvez apenas nossa própria falta de consciência de ser apagada, muito antes de as “fêmeas” robóticas da Inteligência Artificial serem impingidas à consciência da sociedade, principalmente como escravas, trabalhadoras e brinquedos sexuais. Com isso quero dizer, por exemplo, que “mulher” por qualquer razão sinistra estava sendo apagada da linguagem bem antes de desaparecer dos dicionários e da sociedade.
O uso de guy (cara) tanto para homens quanto para mulheres corroeu a capacidade das crianças de se sentirem facilmente confiantes em seu gênero. Dessa confusão, considerada irrelevante, aparentemente, para a formação de mentes jovens, surgiram muitos cortes de peças e reestruturações de equipamentos físicos essenciais. Se essa reestruturação for escolhida livremente aos dezoito ou vinte anos, pelo menos há uma sensação de que a pessoa envolvida pode ter vivido o suficiente para saber, definitivamente, o que é desejado. Mais jovem do que isso, sinto que pode haver motivos, mais tarde, para lamentar e chorar. Afinal, o corpo humano é um milagre, seja qual for o sexo, é improvável que adulterar um milagre nos sirva.
Walker não é idiota. Ela viveu o suficiente e com alguma consciência classista para reconhecer o apagamento das mulheres a serviço do patriarcado e o avanço da agenda transumana - e saber os impactos ímpares dessa incisiva para mulheres negras e pobres. Os transativistas que atacam J.K Rowling, mas ignoram Walker provavelmente pensaram que eles têm tantas propagandas ruins por si só no momento que não precisam de mais uma. Partir com ódio para cima de uma mulher negra idosa que guarda uma certa respeitabilidade pegaria mal. E chamá-la de “chaveirinho de rad” ou de “radpet”, como gostam de dizer, também. Nem preciso dizer sobre como soaria para parte da comunidade negra homens transidentificados como mulheres mandando a Alice Walker “engasgar chupando um pau feminino”. Então a escolha foi fingir que nada aconteceu. Se há algo que esses sujeitos são bons em fazer é enxergar o que convém, ignorar o que não convém e distorcer a realidade para que ela caiba na sua visão de mundo moldada pela pornografia, estereotipização e objetificação feminina, narcisismo neoliberalal e redes sociais.
Mas a realidade, bem, é a realidade. O pior do pós-modernismo com todo o seu relativismo ainda não foi capaz de se desfazer totalmente dela. Tão pouco a Big Tech com seu metaverso, ao menos por enquanto. Eu entendo que parte importante da psiquê dos sujeitos sensíveis a pronomes está amparada na extrema necessidade da validação por parte do outro - uma enorme fragilidade já que depositar nos outros a realidade da nossa existência e senso de si não é a mais inteligente e madura das escolhas. Pessoas com tamanha questão existencial precisam de ajuda psicológica e amparo interessado, não de hormônios e sexoplanismo que enchem os bolsos da big pharma (indico os perfis @i.am.rada e @destranbrasil para ajudar pensar sobre isso). De qualquer forma, há um tanto de gente bem pouco disposta a embarcar na distorção da realidade para favorecer uma elite global e o desejo dos homens, como Richard Dawkins.
Dawkins é um biólogo evolucionista britânico, autor famoso e conhecido por seu ateísmo declarado. Como a maior parte dos biólogos evolucionistas que eu já li, Dawkins afirma que só existem dois sexos para a biologia1. Na verdade, o biólogo entrou na lista TERF em 2021, quando a American Humanist Association (AHA) revogou a honra concedida a ele por suas “contribuições significativas” como comunicador de ciência depois de seus questionamentos acerca do sexoplanismo - 25 anos depois que recebeu a homenagem.
Quando questionado sobre as recém indicações de um grupo acadêmico dos EUA e Canadá para que a comunidade acadêmica e pesquisadores no geral evitassem o uso de palavras como mãe, pai, menino, menina, os substituindo por palavras como 'produtor de esperma' e 'produtora de óvulos' ou 'indivíduo XY/XX', Dawkins afirmou que não vai ouvir “de uma versão adolescente da Sra. Grundy” quais palavras de sua língua nativa pode ou não usar. Dawkins foi acompanhado por outros acadêmicos que expressaram preocupação de que as frases 'absurdas' pudessem levar à confusão na comunidade científica. Eles argumentaram que 'produção de óvulos' e produção de esperma' não são neutros em termos de gênero e, em vez disso, são simplesmente sinônimos de homem e mulher. Para Frank Furedi, professor emérito de sociologia na Universidade de Kent “quando você caracteriza termos como masculino/feminino, mãe/pai como prejudiciais, você está abandonando a ciência pela defesa ideológica”. Fique à vontade para clicar no link acima e ver a lista completa que inclui outros termos a serem evitados como colonialismo, estupro, raça e escravidão.
Poderíamos adentrar na questão sobre como esse mecanicismo iluminista indica que pessoas são cada vez menos pessoas completas e cada vez mais produtores e consumidores de mercadorias, com seus corpos inclusos no processo de uma forma particularmente neoliberal. Ou, ainda, o quão iludido pelo neoprogressismo alguém precisa ser para realmente acreditar que remover a palavra estupro do vocabulário científico vai ajudar a acabar com a violência sexual sistemática contra as mulheres. Mas o que quero ressaltar é que a questão de sexo como espectro é uma empreitada transumana das mais sagazes, é preciso reconhecer. Embora seja um negacionismo igual o da Terra plana, entre os principais motivos que o fizeram pegar sem dúvidas está o dinheiro em forma de financiamento a pesquisas, universidades, cientistas, organizações da sociedade civil, escolas e centros médicos. A Terra ser plana ou redonda no imaginário coletivo não aumenta nem diminui os lucros. É realmente indiferente. O que não é o caso com o sexoplanismo já que descorporificar os sujeitos de sua realidade material é abrir um novo - e tão sonhado - território a ser colonizado. Entretanto, não é só lucro, é fetiche. Um fetiche tecnofílico capaz de revelar todo o narcisismo dos homens em seu desejo em “dominar” e “superar” a natureza e controlar os processos de reprodução. Lucro é poder na sociedade da acumulação, não devemos esquecer. E em se tratando da Big Pharma, parece que esses caras nunca perdem.
Abro aqui um parênteses para compartilhar com vocês um desses momentos recorrentes nos quais a gente fica estupefata com o funcionamento das coisas. Estava lendo um artigo da ecofeminista peruana Ana Isla intitulado Perspectivas Ecofeministas Y Ecosocialistas Sobre El Caos Del Cambio Climático: Amenazas a La Madre Tierra (2020). Nele, Isla analisa os impactos da crise climática e das soluções propostas pelo, usando as palavras de Mies, Grande Homem, conceito que, na minha leitura, unifica o poder do Capital, do Império e da Ciência, e corresponde ao poder do mestre, para moldar o mundo à imagem do patriarcado capitalista. Em específico, Isla mira as consequências dos cercamentos de territórios e plantação de monoculturas de teca que retêm CO2 para atender o quentíssimo mercado de carbono. Ela destaca a quantidade de agrotóxicos utilizados nas plantações na Costa Rica, especificamente do glifosato. Um dos agrotóxicos mais utilizados também no Brasil, o glifosato tem uma lista imensa de efeitos colaterais severos que vão de aumento de abortos espontâneos e má formação fetal a autismo.
Durante anos no Modefica levantamos a questão do uso intensivo de glifosato nas produções de commodities brasileiras, sobretudo no algodão, e ele me é bem conhecido. Mas algumas conexões demoram mais que outras para serem feitas. No artigo, Isla cita a pesquisadora Stephanie Seneff sobre o uso do Roundup, o glifosato líder de mercado da Monsanto, e os efeitos do seu uso no aumento de doenças como autismo. A pesquisadora diz:
…a incidência de autismo aumentou de forma alarmante nas últimas duas décadas nos Estados Unidos, exatamente em sintonia com o uso crescente do Roundup como herbicida nas plantações de milho e soja. Embora a taxa de autismo tenha sido estimada em 1 em 10.000 em 1970, o número mais recente dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças foi de 1 em 68 para crianças de 12 anos em 2014. Esse número reflete a faixa etária de quem nasceu em 2002; certamente o número seria muito maior para crianças nascidas hoje.
De 1 em 10 mil para 1 em 68 é realmente significativo. Ainda que consideremos outras contribuições possíveis para esse aumento de diagnósticos, como maior conhecimento sobre autismo e, portanto, diagnósticos mais acurados, podemos concordar que os dados são alarmantes o que, por sua vez, dialoga aqui com a nossa pauta. As revisões sistemáticas feitas em países como Suécia, Inglaterra e Finlândia demonstraram um número bastante considerável de pacientes com transtorno do espectro autista entre aquelas e aqueles procurando as chamadas clínicas de gênero. Isso soou um alarme alto o suficiente para que esses países pisassem no freio e alterassem seus protocolos médicos acerca de como atender esse público. Não estou propondo lermos essas informações de forma estritamente causal, até porque, novamente, há outros ingredientes na massa desse bolo amargo, mas é possível perceber que, não importa para onde você corra, a big pharma sempre ganha. Eles ganham vendendo o que causa autismo, eles ganham vendendo a “cura” para o autismo e eles ganham quando essa “cura” engendra problemas como câncer2.
Bem, fechando o parênteses e voltando para os TERFs adicionados à lista em março, o Partido Comunista Britânico (PCB) parece ter sacado que seguir os políticos escoceses não seria o mais inteligente dos movimentos para a popularidade da esquerda. Vou fazer um resumo bastante breve para quem não está por dentro. Sob um intenso escrutínio público, a primeira ministra escocesa Nicola Sturgeon, do Partido Nacional Escocês, considerado de centro-esquerda, aprovou a Gender Recognition Reform Bill que, aos moldes da Ley Trans, na Espanha, permite que qualquer pessoa com mais de 16 anos troque de sexo nos seus documentos quando quiser, o que, entre outras coisas, implica que homens transidentificados sejam colocados em prisões femininas. Em questão de dias após a aprovação da lei, “Isla Bryson”, um estuprador escocês condenado foi colocado em uma prisão feminina e estampou as principais manchetes do país - e levou Sturgeon e sua lei junto.
Não é preciso dizer que até aquelas e aqueles mais por fora da questão acharam tudo um completo absurdo e o backlash foi imediato. Sturgeon renunciou ao cargo dias depois e os rumores apontaram para o fato de que manter Sturgeon prejudicaria a imagem do partido para as próximas eleições já que 59% da população escocesa discordava totalmente da política de gênero da primeira ministra. Na Progressive Internacional o seu mandato foi descrito como um “consenso político cuidadosamente elaborado” entre sociedade civil, lobby corporativo e a classe política. Uma “aconchegante harmonia neoliberal”. A reforma na legislação foi vetada pelo parlamento britânico e agora há uma tentativa de retomá-la, apesar do apoio público irrelevante.
No dia 23/03, o Partido Comunista Britânico se manifestou acerca da proposta legal britânica aos moldes das leis escocesas e espanholas dizendo, entre outras coisas:
O Partido Comunista é o único partido político com uma análise política coerente de sexo e gênero. O gênero como uma construção ideológica não deve ser confundido ou confundido com a realidade material do sexo biológico. Gênero é o veículo através do qual a misoginia é promulgada e normalizada. A ideologia da identidade de gênero é bem adequada às necessidades da classe capitalista, concentrando-se nos direitos individuais em oposição aos direitos coletivos, permitindo e apoiando a superexploração das mulheres.
Por essas razões, o Partido Comunista rejeita a autoidentificação de gênero como base para direitos baseados no sexo na lei para os direitos, espaços e instalações de sexo único das mulheres. O Partido continuará a opor-se a qualquer proposta de legislação – seja a nível escocês, galês ou britânico – que procure decretar tal disposição.
Não consegui evitar de imaginar como seria uma carta de repúdio do PCB brasileiro aos “camaradas” ingleses. Será que recorreriam à demonização sem lógica que utilizam contra mulheres lançando mão de conceitos como nazismo e fascismo? Talvez eles se questionem sobre o que existe na Inglaterra para que a esquerda siga resistindo às cifras e à insanidade transumana e a-histórica enquanto outros lugares do mundo cederam amplamente a ela. Algo que eles aparentemente desconhecem em se tratando de mulheres: memória e luta de classes.
Até a próxima,
Marina Colerato
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Para ler sobre a existência de apenas dois sexos em humanos, e entender a questão intersexo, indico esse texto, esse texto e essa galeria com referências.