granjas humanas e políticas de ginocídio
[decodificação #2] sobre tecnologias reprodutivas e o assassinato da Mãe na linguagem e na medicina
Essa decodificação é uma tradução do ensaio “Of Woman Born? How Old-Fashioned! – New Reproductive Technologies and Women’s Oppression”, de Kathryn Pauly Morgan, disponível na coletânea The Future of Human Reproduction, editada por Christine Overall em 1989 e publicada pela The Women’s Press.
Esse texto nos convida, já no final dos anos 1980, a refletir sobre o papel das novas tecnologias reprodutivas em tempos de desconstrução do discurso patriarcal tradicional e de reconstrução de suas velhas ferramentas de dominação.
Seja investigando tecnologias de concepção e contracepção disseminadas na contemporaneidade, seja analisando mecanismos culturais e discursivos que objetivam o apagamento da agência do exercício da maternidade pelas mulheres – bem como a própria autonomia reprodutiva –, Kathryn Pauly Morgan nos oferece uma análise atual e relevante da instrumentalização da reprodução humana em tempos de advento de práticas como a barriga de aluguel e da paulatina substituição do signo da mãe e do materno por eufemismos desumanizantes como “pessoa que gesta/amamenta/pare”, entre tantas outras barbáries que constituem o violento apagamento linguístico de mulheres em curso – inclusive na propaganda atual do governo brasileiro.
Em um momento em que as intenções da classe patriarcal em tornar a mãe – e, portanto, a própria mulher – um objeto obsoleto são delineadas através do sonho tecnofílico e misógino de alcançar a completa ectogênese, repensar estratégias de retomada feminista do signo da maternidade parece ser um assunto relevante. Barrigas de aluguel, remoção e estocagem de óvulos, seleção de sexo, experimentações transumanistas em crianças cada vez mais jovens, todos esses “avanços” da medicina confluem para um futuro onde as mulheres não sejam mais necessárias.
Como pensar, então, o lugar controverso da maternidade e dos signos a ele ligados dentro de uma estrutura patriarcal, sob uma ótica feminista? É possível exercer a autonomia nesse processo sob a realidade do mecanismo da maternidade compulsória? O que temos a aprender com práticas desviantes do exercício da maternidade e que contrariam o script patriarcal da coerção, da abnegação e da violência? São muitas as questões.
Pesquisando sobre a autora, que já não está mais entre nós, pude encontrar um memorial que a descreve como “espirituosa, inquisitiva, alguém com quem você pode conversar, filósofa e imaginativa”. Nascida no Canadá, Kathryn Pauly Morgan viveu entre 1943-2022, foi professora emérita do Departamento de Filosofia da Universidade de Toronto e dedicou sua vida ao feminismo através de pesquisas voltadas a temas como a sexualidade e as tecnologias reprodutivas.
Que Kathryn e outras autoras possam sair mais e mais do limbo do esquecimento e que tenhamos fôlego para recuperarmos o grande legado que elas nos deixaram, do qual temos muito o que aprender. E, pessoalmente falando, que a maternidade possa voltar a ser um dia um exercício de criatividade, não um lugar de estigmatização e exclusão; que sua motivação seja o desejo, não a coerção. Que as futuras crianças possam estar juntas de suas mães; que não seja permitido que elas se tornem objeto de troca, sujeitas ao abuso. Que as futuras mães não sejam transformadas em incubadoras por interesses mercadológicos; que a maternidade possa ser livre e possível.
Vamos lá!
Nascido de mulher? Que antiquado!
Novas tecnologias reprodutivas e violência contra mulheres
Considerem este trecho:
Toda a vida humana no planeta nasceu de uma mulher. A experiência unificante e incontestável compartilhada por todas as mulheres e homens são os meses que passamos nos desenvolvendo dentro do corpo de uma mulher. Dado o fato de que os recém-nascidos humanos dependem de cuidado por um período mais longo que outros mamíferos e dada a divisão do trabalho há muito tempo estabelecida dentro de agrupamentos humanos, onde as mulheres não somente carregam e amamentam, mas são completamente responsabilizadas pelas crianças, a maioria de nós conhece tanto o amor quanto a frustração, tanto o poder quanto a ternura, através de uma mulher. Carregamos a marca dessa experiência ao longo da vida até nossa morte.[1]
Agora, considerem este:
... se continuarmos nesse rumo, a pré-seleção sexual, a clonagem e a ectogênese – combinadas à barriga de aluguel – assegurarão que o frágil poder das mulheres irá se deteriorar e, finalmente, desaparecer. À medida em que deixamos de lado as consequências nucleares, desviamos o olhar de um futuro em que as crianças não são nem gestadas, nem nascidas, ou onde mulheres são forçadas a carregar apenas filhos homens e a matar os fetos de suas filhas... O futuro das mulheres enquanto grupo está por um fio e precisamos nos assegurar de que estamos considerando todas as possibilidades antes de endossarmos uma tecnologia que possa ser traduzida na morte das fêmeas.[2]
Tecnologias reprodutivas já estão conosco e se tornaram parte da tessitura da consciência cotidiana no que diz respeito à procriação. A mídia está cheia de fotografias de casais heterossexuais radiantes carregando sua fofurinha (ou, frequentemente, algumas delas) nos braços. Sua felicidade é apontada como um testemunho incondicional, um endosso às motivações – extremamente humanas e orientadas à vida – provenientes de teóricos e cientistas empíricos que realizam avanços e descobertas animadoras, que permitem que tecnólogos reprodutivos tragam à existência novas vidas em seu próprio nome de seus próprios interesses.[3] Sem tocar na questão da autenticidade dessa felicidade – pois a angústia da infertilidade pode ser uma das maiores fontes de sofrimento a atingir a alma de uma mulher – gostaria de argumentar que esse cenário precisa de uma análise mais aprofundada. Enquanto a tecnologia, à princípio, pode possibilitar às mulheres o exercício coletivo e individual de autonomia sobre sua fertilidade, a mesma é descrita e conduzida através de caminhos cujo teor misógino não pode ser deixado de lado. Ao que mulheres são expostas: promessas ilusórias de sucesso que camuflam a alta incidência da fracassos; doenças iatrogênicas adquiridas[4] e a perda da própria vida como resultados de procedimentos supostamente realizados em nome da “segurança”; além da coerção e a falta de controle mascarados como “avanço de escolha reprodutiva”. Essa mistificação é central para a violência contra mulheres na área da tecnologia reprodutiva.[5]
Meu objetivo nesse artigo é explorar como a internalização da linguagem, das crenças e dos valores dos cientistas reprodutivos patriarcais contribuem com uma profunda experiência de violência psicológica contra mulheres.[6]
Ao analisar essas formas de violência, proponho que utilizemos as categorias de violência institucional, sistêmica e psicológica, desenvolvidas por Sandra Bartky em seu artigo “On Psychological Oppression”.[7] Essas três categorias, que se aplicam concretamente a todas as mulheres através de formas mediadas, são os estereótipos, a depreciação cultural e a objetificação sexual. Viver sob a violência psicológica faz com que mulheres se sintam fragmentadas, desvalorizadas, infantilizadas, desumanizadas, degradadas e invisibilizadas. Um perigoso efeito da violência psicológica é que quando esses sentimentos são internalizados, outras formas de violência política e econômica são normalizadas, justificadas, consideradas um “problema” nosso, e dificilmente são enxergadas como formas de violência.
ESTEREOTIPAÇÃO
A estereotipação das mulheres no contexto das novas tecnologias reprodutivas está levando ao aumento da invisibilização da maternidade. O que pode muito bem levá-la à aniquilação. Como Rich argumenta, a complexa história de símbolos que rodeiam a maternidade marca a notável deterioração do status atual das mulheres, ao mesmo tempo em que providencia uma rendição mítica, à medicina masculina, de todo o processo de criação humana. Rich cita essa passagem do trabalho de Frieda Fromm-Reichman:
... há um mito persa da criação do Mundo que precede o bíblico. Nesse mito, uma mulher cria o mundo através de seu próprio gesto natural de criatividade, que não pode ser replicado pelos homens. Ela dá à luz um imenso número de filhos. Os filhos, extremamente intrigados por esse ato que eles não são incapazes de replicar, se amedrontam. Eles pensam, “Se ela pode dar a vida, ela também pode tomá-la.” E, por essa razão, por causa de seu medo dessa misteriosa habilidade da mulher, e de sua possível reversibilidade, eles irão matá-la.[8]
Mesmo quando a criatividade da mulher é vista como uma força mágica, os medos que abastecem o reinado do terror misógino levam, sempre que possível, ao controle e à dominação desse poder de fertilidade. Com frequência, mesmo que as primeiras metáforas fossem naturalistas, é presumido que a Natureza está aqui para ser usada, mesmo que com algum respeito. Como pontua Raymond, a mulher é enxergada como um domínio natural que precisa ser semeado, lavrado e colhido para que seu “fruto” possa sair de seu ventre.[9] Enquanto esse aglomerado de metáforas claramente realça a “incompletude” do processo reprodutivo separado do “semeador/lavrador”, ele carrega consigo o senso de afiliação com a criança em desenvolvimento. A poeta Erica Jong descreve seu bebê crescendo como uma “pequena rosa desabrochando num universo vermelho”, como “um pequeno caroço de abacate quase pronto para germinar”, como “um peixinho a nadar”.[10] Obviamente, essas são metáforas do deleite e do prazer da futura mãe. Novamente, ao mesmo tempo em que é preciso resistir à ultra romantização de uma experiência que faz as mulheres vomitarem, se sentirem fracas, fisicamente desbalanceadas e com potencial risco de morte, também é importante ouvir e lutar pelo direito de utilizar essas metáforas; elas são espécies linguísticas em risco de extinção. E elas não são desprovidas de mérito à medida em que dão suporte às mulheres enquanto gestantes das crianças. Isso é o que corremos o risco de perder.
Em diversas culturas ocidentais, em particular, a situação das mulheres foi dominada pela premissa psicológica (senão legal) de que mulheres são bens, ou seja, parte da mobília pessoal, propriedade animada legitimamente controlada por homens. Como pontua Gena Corea, as leis e tradições que dizem respeito à propriedade, posse e controle dos poderes sexuais e reprodutivos femininos continuam a permear a vida de muitas mulheres.[11] Mas está acontecendo uma reviravolta no contexto das tecnologias reprodutivas, em especial no contexto da fertilização in vitro, da transferência de embriões e da maternidade de aluguel. Ao invés de ser o terreno complexo, poderoso e natural onde uma semente vulnerável pode ser nutrida, protegida e amada, a mulher está a ponto de se tornar uma espécie de mineral semiprecioso animado, o óvulo. Mulheres não são mais valorizadas enquanto mães biológicas, como seres humanos integrados (embora inferiores), mas como armazéns de óvulos e receptáculos de valor duvidoso. Como notaram Dworkin e Corea, essa é, fundamentalmente, a continuação da premissa da escravidão, transformada pelos avanços da tecnologia moderna – sob alcunha apropriada – em “pecuária”.[12]
Em “Egg Farming and Women’s Future”, Julie Murphy argumenta que no contexto das novas tecnologias reprodutivas, mulheres são consideradas granjas enquanto os homens são considerados os granjeiros.[13] Aqui é imperativo compreender que o termo “granja” se refere à granja moderna, uma forma altamente modernizada de exploração de rebanho, e não à noção da aconchegante “granja familiar” dos cartões postais. Nesse contexto, mulheres são vistas como “primitivos” agrários, um tipo de vasto recurso natural a ser explorado, já que cada mulher estoca, concretamente, dois milhões de óvulos no momento da menarca.[14] De acordo com essa perspectiva, o único processo que afeta uma mulher (e que está fora dos domínios de sua agência enquanto um sujeito ativo, a não ser que ela tome remédios para a ovulação) é o amadurecimento de seus óvulos. Onde a linguagem da agência surge, ela se refere aos homens, que descrevem a remoção de óvulos como uma “recuperação” dos óvulos. Como Murphy aponta, esse termo é um equívoco para as mulheres.[15] Em primeiro lugar, a mulher não está recuperando nada; ela está perdendo algo. O agente e beneficiário aqui precisa ser identificado: é o macho. Em segundo lugar, só se pode “recuperar” aquilo que foi perdido, extraviado ou descontrolado. O que deveríamos pensar de homens que tomam óvulos de mulheres e chamam isso de “recuperação”? Apenas uma noção objetificada como o pressuposto do bem material nos permite dizer isso.
Um uso linguístico adicional é documentado por Murphy incluindo o seguinte: a descrição do aborto espontâneo como um “desperdício embrionário” e a descrição dos ovários de uma mulher como uma “linha de produção” de óvulos. São homens que retiram óvulos; são homens que fertilizam óvulos, são homens que transplantam embriões; e são homens os principais beneficiários da colheita no contexto da maternidade de aluguel. Como Murphy nota, mulheres estão cada vez mais sendo vistas através da lente da ideologia ovariana dominante enquanto depósitos de óvulos, poedeiras de óvulos e chocadeiras de óvulos em um contexto de maior engenharia genética eugenista.[16] Nos lugares onde as mulheres são referidas, são utilizados termos como “ambiente uterino”, “meio maternal” ou “a carregadora de embrião”. Tais metáforas são, é claro, coerentes com aquela velha metáfora aplicada a mulheres quando estão entrando na menopausa, as de que são “um ninho vazio”.
Qual é o significado dessas novas metáforas? Uma redução psicológica violenta da maternidade biológica a um primitivo genético, combinada a uma medíocre função de incubadora. Ou seja, a aniquilação da fecundação e da maternidade enquanto qualquer coisa reconhecida como experiência integrada, humana e focada na mulher. Observado através das lente do desejo patriarcal de alcançar a completa ectogênese, acredito que esse seja um passo ideológico fundamental em direção à destruição da desejabilidade e do simbolismo poderoso da maternidade biológica, afinal.
DOMINAÇÃO CULTURAL
Nesse contexto, a dominação cultural toma três vias: (1) através das desvalorização e da desumanização da mulher, (2) através da transformação da reprodução em um artefato patriarcal e (3) através da experiência de voluntariedade forçada.
Desvalorização das mulheres
A desvalorização direta das mulheres é mais gráfica no contexto de predeterminação sexual e procedimentos de seleção sexual. Seja através de duchas[17] para seleção-sexual, da recusa em implantar embriões femininos no contexto da fertilização in vitro, abortando efetivamente embriões femininos após biópsia das vilosidades coriônicas ou amniocentese, ou matando embriões femininos saudáveis no contexto de nascimentos múltiplos previstos para que os fetos masculinos tenham maior chance de sobreviver, a mensagem é clara: fêmeas não são desejáveis. Embora haja condições genéticas particulares onde saber o sexo é crucial para a tomada de uma decisão, não estou falando desses casos. Estou falando sobre a eliminação de futuras mulheres saudáveis. Futuras filhas, irmãs ou mães não são valorizadas como futuros filhos, irmãos ou pais. Raymond descreve isso como a “pré-vitimização” das mulheres.[18] Powledge se refere a isso como “... um dos atos mais estupendamente sexistas no qual é possível se engajar. É o pecado original sexista...”[19] E eu concordo.
A evidência de Further para a desvalorização das mulheres vem dos testemunhos de mulheres que foram submetidas a procedimentos invasivos associados a exames de infertilidade, a fertilizações in vitro e durante o monitoramento de barrigas de aluguel. Como uma das mulheres relatou, “você se sente como um pedaço de carne em um abatedouro.” Outra relembrou, “A nossa geração serviu de cobaias para o Escudo Dalkon[20], e agora nós servimos de cobaias para uma nova forma de tecnologia moderna.”[21] Além da falta de respeito representada pela ausência de explicações, aconselhamento, discussão e análise política da construção social da maternidade pelos cientistas reprodutivos, creio ser justo dizer, bem como discutir, a importância do óvulo, bem como o fato de que mulheres são valorizadas nesse contexto enquanto, principalmente, dados experimentais brutos. Um número de especialistas em ética médica e feministas notaram que não foram conduzidos estudos primários antes da implementação de novas tecnologias reprodutivas. Minha convicção é a de que mulheres estão sendo os primeiros estudos, e que a prática – entre cientistas e mulheres – não sustenta a percepção desse enquanto um encontro humano genuinamente recíproco. “Granjas”, “cobaias”, “pedaço de carne” – esses são os termos que as mulheres utilizaram para descrever suas experiências. Esses são termos profundamente violentos, reflexos de práticas violentas.
O medo da capacidade das mulheres de carregarem crianças também se traduz em uma linguagem misógina que fortalece o projeto dos cientistas reprodutivos de tomar a maternidade dos corpos das mulheres.[22] No influente livro Birth Without Violence, Dr. Frederick Leboyer diz,
Um dia, o bebê se descobre prisioneiro... a prisão ganha vida... começa, como um polvo, a abraçar e esmagar... sufocar... agredir... a prisão se torna furiosa... com seu coração explodindo, a criança afunda-se nesse inferno... a mãe... ela está expulsando o bebê. Ao mesmo tempo em que ela o segura dentro de si, impedindo sua passagem. É ela o inimigo. Ela é quem fica entre a criança e a vida. Apenas um deles pode se impor. É um embate mortal... não satisfeito com o esmagamento, o monstro... o torce com requintes de crueldade.[23]
Embora outros teóricos não descrevam mães biológicas como monstros envolvidos em um combate mortal com seus bebês, o sentimento central ainda é esse, mesmo que de uma forma silenciosa. Considere as observações de Edward Grossman, que, em um artigo intitulado “The Obsolescent Mother. A Scenario” comenta que, entre as vantagens de um “útero de vidro”, estaria o “fato” de que esse ambiente seria mais seguro do que o útero de uma mulher, que mulheres poderiam “se livrar do desconforto” do parto e que mulheres poderiam ser permanentemente esterilizadas.[24] De forma similar, em 1983, o mundialmente famoso geneticista Jerome Lejeune discutiu a possibilidade de homens engravidarem. Ele “disse à corte humana que embriões dependem de suas mães apenas para adquirirem abrigo e alimentação. Ele disse que um feto é tão independente que poderia ser implantado na cavidade abdominal de um homem e crescer até a maturidade.”[25] Novamente, seja através da consideração de que a mãe biológica é um monstro, ou de que ela é um ambiente inseguro, ou de que ela é dispensável, é impossível experimentar qualquer sentimento de valorização sendo uma mulher. Mulheres são oprimidas pela moldura da referência, pelas descrições do nascimento e pelo balanço negativo de nossa habilidade normal de sermos gestantes saudáveis.
Além disso, a desvalorização das mulheres pode ocorrer de duas formas. Em primeiro lugar, quando nossas histórias, nossos mitos, nossas descrições de nossos sentimentos – corporais e emocionais – e nossas preferências são minadas – através de rótulos ridículos e patologizantes (como, por exemplo, “neurótica”, “histérica” e “masoquista”) – e desconsideradas, nos sentimos e somos silenciadas pelo poder da comunidade médica patriarcal. Em segundo lugar, nós não somos silenciadas apenas no tempo presente. Somos silenciadas em nosso passado. Somos encorajadas a pensar que a época em que a maternidade e o nascimento eram experiências centradas na mulher, controladas pela parturiente, suas irmãs, suas amigas e suas parteiras, era um período de irresponsabilidade, risco e práticas primitivas, desprezadas pelas técnicas contemporâneas. Como consequência disso, nossas vidas reprodutivas individuais, nossas experiências de nossa fertilidade e nossa história coletiva são subordinadas às construções da cultura patriarcal dominante.
A reprodução como artefato patriarcal
Um segunda forma de dominação cultural relevante toma forma quando o assujeitamento dos corpos femininos à condição de “naturalmente patológicos” é utilizado para transformar a fecundação, a maternidade e o nascimento em um artefato tecnológico que, de forma otimizada, é tirado de dentro do corpo feminino. Enquanto o poder reprodutivo da mulher é redefinido de formas reducionistas e grosseiras, seu poder de criar e dar a vida (que pode, a princípio, ser aprimorado através dessas novas tecnologias) é visto como perigosamente medíocre se comparado ao desenvolvimento de um útero artificial. Gena Corea deu ao seu influente e famoso livro o nome de The Mother Machine a fim de enfatizar o sentido dessa sentença: de um lado, a mecanização da concepção, da maternidade e do nascimento nas vidas das mulheres de hoje demonstra que cada vez mais parece que o que acontece no corpo da mulher, e através de sua agencia, é controlado, monitorado, estimulado e amortecido por máquinas e cientistas; do outro, a completa apropriação da reprodução humana pelos homens na forma de profissionais da fertilidade e “fetologistas”, cujo objetivo final é gerar crianças fora da presença corporificada de cuidado das mulheres, dentro da “mãe máquina” artificial, isso é, o útero artificial. Quando Grossman diz que “a gravidez natural pode se tornar um anacronismo... o útero deve se tornar um anexo”, é difícil não colocar simplesmente a palavra “mulher” no lugar de “gravidez natural”, visto que a mulher é definida em termos eróticos heterossexuais e reprodutivos sobrescritos ao patriarcado.[26] Claramente, esse é o limite da dominação cultural: uma população inteira de mulheres esterilizadas dos quais os poderes reprodutivos foram, simultaneamente, roubados e destruídos através de um mesmo ato de violência política.
Acredito que o que temos nesse contexto é paralelo ao que aconteceu durante a caça às bruxas. Alegações de insanidade, neurose e tendências sexuais bizarras foram direcionadas a mulheres por homens que as torturavam para tirar “confissões”, obtendo através disso o prazer tanto em narrar quanto em torturar. O julgamento da história patriarcal é o de que mulheres eram, em grande parte, loucas e que seus perseguidores eram normais. O julgamento da história feminista diz o contrário.[27] De forma similar, afirmo, com todo respeito aos cientistas reprodutivos, que as tecnologias é que deveriam ser alvo de receio, crítica e subordinação, e não essas mulheres, que estão lutando para manter de alguma forma a integridade reprodutiva e que estão resistindo à fragmentação, ao reducionismos e às mensagens patologizantes.
Voluntariado forçado
A terceira forma de dominação cultural se manifesta quando mulheres têm dificuldade em exercitar o que chamam de “livre” escolha em um contexto de voluntariado forçado. Em sua discussão do artigo de Rowland, Raymond aponta que frequentemente os aspectos de coerção e controle são camuflados pela linguagem e por práticas que são caracterizadas como benevolentes, terapêuticas e voluntaristas.[28] Ela observa que os cientistas irão tanto relatar que seus pacientes querem acesso à tecnologia quanto insistir em um certo princípio de individualismo liberal (por exemplo, que pais possuem o direito de escolher o sexo de sua criança) sem examinarem o contexto social e político que, como ela coloca, “... não apenas condiciona a escolha de uma mulher como, também, sua motivação para escolher. Isso é o que pode ser chamado de meio voluntário de modificação e controle comportamental”.[29]
Qual é a importância de dar foco ao contexto? Argumento que ele é duplo: um, dá destaque ao quanto muitas mulher continuam a ser dominadas e a viverem sob uma situação que podemos chamar de “fertilidade obrigatória” ou “maternidade compulsória”; e, dois, torna visível o quanto mulheres agem de acordo com um poderoso imperativo tecnológico desde o momento da concepção até o próprio parto.[30] Se adicionarmos esses dois aspectos coercitivos da vidas das mulheres à luta para manter um senso-de-si à luz dos já discutidos aspectos da violência psicológica, não é difícil concluir que a experiência de aparentar fazer uma escolha é, quando muito, apenas parcialmente real. Em muitos casos, as formas de coerção materiais, psicológicas, econômicas e políticas são explícitas.
A ideologia da fertilidade obrigatória – bem como a definição das mulheres nos termos do destino e da realização reprodutiva – é um dos mecanismos psíquicos mais violentos que podem acometer mulheres heterossexuais em idade fértil (em especial se elas são brancas ou estão dentro de uma cultura de supremacia branca, como no Canadá).[31] Além disso, enquanto a concepção, a maternidade e o nascimento estão sendo levados cada vez mais para dentro do domínio da atividade produtiva (como contraste ao “acontecimento” natural), a reprodução se torna conceitualizada como uma área de potencial “sucesso” para mulheres (e a falta dele como um domínio digno de culpa pelo “fracasso”, ao invés de um evento triste, porém natural). Para as mulheres às quais as oportunidades de êxito são severamente limitadas, a fertilidade e a gestação continuam sendo formas de conquista. Conforme mais conquistas são esperadas das mulheres e mais oportunidades de sucesso são disputadas por mulheres, a maternidade biológica continua a ser obrigatória também para a mulher livre e independente. Sob o patriarcado, a ideologia maternal pró-natalista torna a concepção e a gestação definicionais para a mulher “de verdade”, a mulher “completa”, a mulher “boa” e, agora, a “Supermulher”. Bem como o sucesso na afiliação romântica heterossexual, a gestação é vinculada e definida pela cultura como uma forma de poder, um lugar de identidade e a garantia da feminilidade de uma mulher.
Para uma mulher que internalizou essa mensagem e em cuja vida manifesta a construção material dessa ideologia, sua gestação é a chave tanto para sua sobrevivência quanto para seu senso de lugar e identidade social, e, portanto, lutar contra a pressão da fertilidade obrigatória pode levá-la ao sentimento de ser dessexualizada, desvalorizada ou sem identidade com relação a seu mundo social.[32] Frequentemente, a internalização da premissa da fertilidade obrigatória se expressa mais claramente através de sentimentos de esvaziamento, falta de identidade e desvalorização associados ao não engravidar, e não ao desejo de ter um filho, um desejo que possui raízes diversas e profundas. Em ambos os casos, no entanto, é evidente que as pressões psicológicas e socioeconômicas associadas à fertilidade obrigatória são vivenciadas concretamente por todas as mulheres e que qualquer escolha realizada aqui é afetada por essas pressões.[33]
A segunda via pela qual o caráter voluntário das escolhas reprodutivas das mulheres é erodido, é através da submissão aos imperativos tecnológicos da comunidade médica.[34] Esse argumento tem se tornado convincente com relação à tecnologização médica do nascimento. É importante frisá-lo nesse contexto, uma vez que a tecnologia é frequentemente ordenada ou recomendada em nome de uma escolha aprimorada. De certa forma, o avanço das tecnologias está tornando possíveis mais escolhas. Uma mulher agora pode escolher o sexo de sua criança, pode escolher abortar um bebê que possua espinha bífida[35], pode escolher fazer uma cesárea caso indicado pelo monitor fetal, e assim por diante. As tecnologias podem parecem sustentar a promessa de um controle maior, de escolhas maiores e de prevenção de dolorosas e insuportáveis consequências: em suma, uma promessa maior para uma vida genuinamente humana de maternidade social. De certo modo, isso não pode ser negado.
No entanto, como Rothman, Rowland e Hanmer argumentam, grande parte dessa liberdade é ilusória.[36] Na verdade, a participação efetiva das tecnologias patriarcais leva à consequência de que, embora uma experiência individual pareça uma escolha autônoma, a realidade é que essa mulher se torna progressivamente dependente de um verdadeiro império de especialistas médicos, que inclui fetologistas, ginecologistas, endocrinologistas, psiquiatras, anestesiologias, pesquisadores e farmacologistas.[37] Além disso, esse grupo de especialistas irá criar, monitorar e trazer à existência a criança desejada, a vida nova, e não a mãe biológica. Paralelos à medicalização do nascimento, considerado um “evento crítico”, tanto a pressão informal sob as mulheres para que procurem tecnologias reprodutivas quanto a pressão especializada a se submeterem a todo tipo de procedimento invasivo – como testes de infertilidade, experimentos com fertilização in vitro e monitoramento de gravidez – dão suporte à dominação cultural patriarcal da experiência. Dessa forma, enquanto mulheres são encorajadas a pensar que essa é uma situação de maximização de escolhas, ela se prova ser o contrário na maioria dos casos. Mulheres são desvalorizadas e infantilizadas, o conhecimento e o medo são utilizados como alavancas coercitivas que provocam a submissão de mulheres a tecnologias controladas por homens.
O resultado dessas experiências de desvalorização, essas alegações de patologia e essas promessas ilusórias de escolha reprodutiva é que mulheres estão sujeitas a violências psicológicas mais intensas à medida em que o controle patriarcal da reprodução das mulheres assume formas mais radicais e completas.
OBJETIFICAÇÃO SEXUAL
Bartky define a objetificação sexual como um modo de fragmentação que toma a “forma de uma identificação frequentemente coercitiva e degradante de uma pessoa com seu próprio corpo”[38]. Ao mesmo tempo em que as mulheres precisam lutar contra a identificação degradante delas mesmas com partes de seus corpos no campo da sexualidade (por exemplo, como “vadia”, “rabo de saia”, etc.), as mulheres também devem lutar contra as objetificações psicológicas violentas que as atingem no campo da reprodução.
Mulheres corporificadas têm o direito à integridade de seus corpos. A primeira forma através da qual a objetificação sexual é violenta para mulheres é através da perda da integridade. A integridade é frequentemente ameaçada por procedimentos repetitivos, como a superovulação, perfurações com agulhas para a procura de óvulos que estão amadurecendo, a invasão do útero com cânulas no caso de Biópsia das vilosidades coriônicas e implantação de embriões, além de outros testes diagnósticos incluindo amniocentese e múltiplos ultrassons. Esses procedimentos frequentemente culminam em intervenções cirúrgicas mais profundas e anestesias através de cesarianas. A experiência da mulher que é submetida a essas invasões perigosas e potencialmente traumáticas de seus corpos se reflete em sentimentos de manipulação, abuso, infantilização pessoal, dor física, ansiedade e fracasso. Os valores de autonomia, integridade corporal, controle reprodutivo e escolha são destruídos conforme o conglomerado médico, a família, os amigos, os maridos e, frequentemente, as próprias mulheres, se tornam progressivamente fissurados no sucesso da fertilidade. A humilhação, a subordinação e práticas médicas sádicas são frequentemente camufladas como terapias ou tratamentos altruístas.[39] A segunda forma através da qual a objetificação sexual é opressiva é através da dissecação pessoal e coletiva, do desmembramento e da comercialização das forças reprodutivas das mulheres.[40] Uma mulher experimenta individualmente a fragmentação da experiência integrada da fertilidade enquanto, pessoalmente, passa a ser vista como um complicado aglutinado de órgãos e processos, alguns dos quais podem estar em mal funcionamento.[41] Essa fragmentação toma lugar não apenas na esfera individual. Na esfera coletiva, as novas tecnologias reprodutivas estão conceituando a concepção, a maternidade e o nascimento enquanto estágios separados da reprodução, assim como no contexto pecuarista. A maternidade biológica está sendo literalmente desmembrada a partir do momento em que uma primeira mulher passa a ser avaliada pela “alta qualidade” de seus óvulos; uma segunda, pela sua utilidade enquanto incubadora durante os primeiros estágios da gravidez; e, ainda, uma terceira, pela sua utilidade como incubadora a longo prazo, após a lavagem e a transferência do embrião. Por fim, uma quarta será considerada a criadora social apropriada da criança. O desfecho psicológico disso é que as mulheres, os médicos pesquisadores e os profissionais técnicos desempenham papéis na maternidade de uma forma radicalmente diferente: ela se torna um substantivo coletivo, uma experiência coletiva que é intrinsecamente e socialmente construída com o fim de “otimizar” a chegada de uma criança.
Conforme caminhamos em direção esse modelo fragmentário da maternidade biológica, podemos observar que o potencial para a exploração biológica, econômica e política de mulheres e de seus corpos é imensa. O que há de psicologicamente violento nesse processo é que estamos perdendo qualquer senso de integridade com relação a nossos próprios corpos enquanto corpos capazes de gestar; estamos simultaneamente nos tornando mais definidas reprodutivamente, ao mesmo tempo em que essa definição se torna mais perigosamente anatomizada.[42] Estamos perdendo o senso individual de criatividade e poder que pode acompanhar a maternidade escolhida ao passo em que somos consideradas, na melhor das hipóteses, reprodutoras parciais ou fragmentárias.
O cenário final do pesadelo reducionista já está aqui. Não estou falando sobre cenários futuros como a ectogênese e a clonagem, que envolvem completamente a eliminação da maternidade biológica. Estou falando de casos de mulheres grávidas com morte cerebral que têm sido mantidas vivas até que o feto esteja suficientemente maduro para nascer. Em certa ocasião, uma mulher foi mantida viva por mais de dois meses até que o feto amadurecesse.[43] Ela foi mantida em sistemas de suporte de vida até que uma cesariana pudesse ser realizada e os aparelhos, desligados. Comentando o caso, o Dr. Russell Laros, do Departamento de Ciências Obstétricas, Ginecológicas e Reprodutivas da Escola de Medicina de Universidade da Califórnia, disse que “A experiência me deixou confiante de que isso pode ser realizado sem grandes dificuldades... No futuro, irei sugerir aos membros da família que há essa opção.”[44] Mais uma vez, se considerarmos a perspectiva da ectogênese parcial através da remoção de ovários maduros de mulheres ou através da criação de embriões femininos para coleta de óvulos, ou se considerarmos a utilização do corpo de mulheres mortas (embora isso seja caro) como incubadoras, a aniquilação doentia da realidade biológica da maternidade é tamanha a ponto de mulheres ainda não nascidas e mulheres já mortas se tornarem politicamente preferidas em relação a mulheres que desejam se tornar mães independentes, com senso de integridade e escolha.
Esse quadro é assustador, mas precisamos encará-lo. Do contrário, falharemos ao olhar o quão profundamente essas tecnologias estão alterando nossos sentimentos, esperanças e a própria maneira através da qual pensamos sobre a maternidade. À medida em que a concepção e a maternidade se movem das categorias patriarcais do pré-humano, do instintivo, do incontrolável e do imprevisível, e vão em direção ao domínio do artefato tecnológico, a ciência patriarcal reconceitua radicalmente não apenas o processo em si, mas também a natureza da mulher e da mãe de tal forma que uma utopia exclusivamente masculina se torne progressivamente realizável através do domínio da ciência.
Em todo o mundo, feministas clamam pelo empoderamento das mulheres e da criação, pelas mulheres, do conhecimento e do controle – tanto político quanto material – de sua própria fertilidade. Como argumentei, isso é crucial para o controle psicológico, para que possamos, como Adrienne Rich pontua, “reconhecer toda a complexidade e o significado político do corpo da mulher, todo o espectro de poder e importância que ele representa, no qual a maternidade é apenas uma – embora crucial – parte.” [grifo nosso[45]] [46]
Mulheres são centrais na luta pela escolha e pelo direito à autodeterminação reprodutiva, mulheres que estão sonhando, falando e criando novas visões, porventura tecnológicas em sua natureza, para que possamos “... libertar a criação e a manutenção da vida no mesmo reino da decisão, da luta, da surpresa, da imaginação e da consciência inteligente, bem como qualquer outro trabalho difícil, porém escolhido.”[47] Sem tal luta, nós e nossas filhas talvez nos tornemos vítimas silenciadas do ginocídio iminente.[48]
[1] Adrienne Rich, Of Woman Born: Motherhood as Experience and Institution (New York, W.W. Norton and Co. 1976), p. 11.
[2] Robin Rowland, “Motherhood, Patriarchal Power, Alienation, and the Issue of ‘Choice’ in Sex Pre-Selection” in Gena Corea et al., eds., Man-Made Women (Bloomington, Indiana, Indiana University Press, 1987), p. 75.
[3] Rona Achilles distingue as tecnologias reprodutivas a partir da base de suas funções com relação à vida. Ela categoriza três tipos: as que inibem uma nova vida, as que monitoram uma nova vida e as que estão envolvidas na criação de uma nova vida. Ver Rona Achilles, “What’s New about the New Reproductive Technologies?” Discussion Paper, Ontario Advisory Council on the Status of Women, 1988, p.1.
[4] Iatrogenia é uma palavra de origem grega que define o resultado indesejável pela ação prejudicial não intencional dos profissionais de saúde, relacionado à observação, monitorização ou intervenção terapêutica, caracterizando uma falha profissional por negligência. (N. da T.)
[5] Para ler um relato perturbador sobre como a mistificação patriarcal é projetada pela mídia, ver o artigo de Ana Regina Gomez dos Reis, “IVF in Brazil: The Story told by the Newspapers” in P. Spallone, D. Steinberg, eds., Made to Order: the Myth of Reproductive and Genetic Progress (New York, Pergamon Press, 1987).
[6] Essa análise é, claro, apenas uma parte da coletânea da crítica feminista. Muitas outras questões morais e políticas centrais são discutidas por Susan Sherwin nesse volume: a (ultra)medicalização da contracepção, da concepção e da gestação e os riscos médicos envolvidos; a desigualdade no acesso e distribuição de auxílio reprodutivo tecnológico; a forma coerção política e econômica de mulheres que é causada por novas tecnologias; as perigosas implicações eugenísticas ligadas à correlacionada intolerância social contra pessoas com deficiência e contra mulheres que escolhem não utilizar essas tecnologias.
[7] Sandra Bartky, “On psychological Oppression” em S. Bishop, M. Weinzweig, eds., Philosophy and Women (Belmont, California, Wadsworth Publishing Co., 1979), pp. 33-41. Não estou, obviamente, negando que possa haver formas individuais e degradantes de violência psicológica referidas às vezes como “crueldade mental”.
[8] Rich, op. cit., p. 110.
[9] Janice Raymond, “Fetalists and Feminists” in Made To Order, op. cit., p 62.
[10] Erica Jong, Ordinary Miracles (New York, New American Library, 1983). As frases foram tiradas dos seguintes poemas: “The Birth of the Water Baby” e “For Molly”.
[11] Corea, “The reproductive Brothel” in Man-Made Women, op. cit., pp. 42-43.
[12] Cf. Ibid.; Gena Corea, The Mother Machine (New York, Harper and Row, 1985); e Andrea Dworkin, Right-Wing Women (new York, G. P. Putnam’s Sons, 1982).
[13] Julie Murphy, “Egg Farming and Women’s Future” in Rita Arditti, Renate Duelli Klein, Shelley Minden, eds., Test-Tube Women: What Future for Motherhood? (London, Pandora Press, 1984).
[14] Essa é a figura citada por Murphy. Ibid.
[15] Ibid., p. 70.
[16] Ibid., p. 73.
[17] Na década de 1960, nos Estados Unidos, Landrum B. Shettles desenvolveu o método Shettles, que é um procedimento que os casais utilizam antes e durante a relação sexual para aumentar suas chances de conceber um feto do sexo desejado. O método fornece um procedimento destinado a melhorar o ambiente favorável para o esperma que supostamente produzirá o sexo desejado, incluindo duchas femininas a serem usadas antes da relação sexual. Landrum Brewer Shettles foi um obstetra/ginecologista americano e pioneiro no campo da fertilização in vitro. (N. da T.)
[18] Janice Raymond, “Preface” to Man-Made Women, op. cit.
[19] Tabitha Powledge, “Unnatural Selection: On Choosing Children’s Sex” in Helen B. Holmes, Betty B. Hoskins, Michael Gross, eds., The Custom-Made Child: Woman-Centered Perspectives (Clifton, New Jersey, The Humana Press, 1981).
[20] O Escudo Dalkon era um dispositivo contraceptivo intrauterino (DIU) desenvolvido pela Dalkon Corporation e comercializado pela AH Robins Company. Descobriu-se que o escudo Dalkon causava ferimentos graves a uma percentagem desproporcionalmente grande das suas usuárias, o que acabou por levar a diversos processos judiciais.
[21] Robyn Rowland, “Of Woman Born, But For How Long? The Relationship of Women to the New Reproductive Technologies and the Issue of Choice” in Man-Made Women, op. cit., p. 75.
[22] Em sua discussão sobre essa questão em The Mother Machine, op. cit., Corea intitula seu capítulo como “The artificial Womb: an Escape from the ‘Dark and Dangerous Place’.”
[23] Frederick Leboyer, Birth Without Violence (New York, Alfred A. Knopf, 1975). Essa passagem é discutida por Adrienne Rich em “The Theft os Childbirth”, in C. Dreifus, ed., Seizing Our Bodies (New York, Vintage Books, 1977) e em Our Bodies, Ourselves, 3ª edição (New York, Simon and Schuster, 1984).
[24] Referido por Robyn Rowland em “A Child at ANY Price?” Women’s Studies International Forum, vol. 8, no. 6 (1985), pp. 542-543.
[25] Referido por Connie Clement, “Science Fiction / Science Fact,” Heathsharing, vol. 6, no. 4 (Outono 1985), p. 18.
[26] Rowland, op. cit.
[27] Ver Mary Daly, Gyn-Ecology: The Meathics of Radical Feminism (Boston, Beacon Press, 1978), pp. 211-212.
[28] Raymond, op. cit.
[29] Ibid.
[30] Estou adotando os usos de Achilles da noção de “imperativo tecnologico.” Ver Achilles, op. cit., p. 28.
[31] Claramente, formas inversas de coerção, como a proibição da fertilidade, são frequentemente experienciadas por mulheres através de uma cultura racista, heterossexista e patriarcal que as marginaliza e estigmatiza de algumas formas: mulheres lésbicas, com deficiência, adolescentes solteiras (e solteiras no geral), “velhas demais”, nativas, de cor, e por aí vai. De dentro de suas comunidades, no entanto, essas mulheres podem experienciar igualmente intensas cobranças para terem filhos.
[32] Essa tese é brilhantemente analisada em um artigo de Martha Gimenez, “Feminism, Pronatalism, and Motherhood” in J. Trebilcot, ed., Mothering: Essays in Feminist Theory (Totowa, New Jersey, Rowman and Allanheld, 1984). Pontos similares são construídos por Sandra Bartky com relação à feminilidade em seu artigo “Foucalt, Femininity, and the Modernization of Patriarchal Power” in I. Diamond, L. Quinby, eds., Femininity and Foucault (Boston, Northearstern University Press, 1988); e por Kathryn Morgan com relação ao amor romântico em “Romantic Love, Altruism, and Self-Respect,” Hypatia, vol. 1, no. 1 (1986), reimpresso in G. Nemiroff, ed., Women and Men (Toronto, Fitzhenry and Whiteside, 1986).
[33] Para uma espirituosa e comovente defesa por uma feminista que vive em uma situação de privilégio de classe e raça, ver o artigo de Margaret Simons “Motherhood, Feminism, and Identity,” Women’s Studies International Forum, vol. 7, no. 5 (1984), pp. 349-360.
[34] Achilles, op. cit., p. 28.
[35] A espinha bífida é um defeito congênito em que a medula espinhal de um bebê em desenvolvimento não se desenvolve adequadamente.
[36] Cf. Jalna Hanmer, “A Womb of One’s Own” e Barbara Katz Torhman, “The Meanings of Choice in Reproductive Technology” in Test-Tube Women, op. cit., e Robyn Rowland, “Motherhood, Patriarchal Power...” in Man-Made Women, op. cit.
[37] Sou grata a Janice Raymond por relacionar esse ponto às aspirações pela transcendência e as condições indeterminadas de dependências no contexto da cirurgia transsexual. Ver Raymond, The Transsexual Empire: The Making od the She-Male (Boston, Beacon Press, 1979).
[38] Bartky, “On Psychologigal Opression,” op. cit., p. 34.
[39] Raymond, “Fetalists and Feminists ...” in Made to Order, op. cit., p. 61.
[40] Renate Duelli Klein, “What’s ‘New’ about the ‘New’ Reproductive Technologies?” in Man-Made Women, op. cit., p. 65.
[41] É claro, isso não é sempre verdade. Em casos de pré-seleção de sexo na fertilização in vitro, mulheres perfeitamente saudáveis podem ser levadas a se submeter a esses perigosos procedimentos.
[42] Para um relato “ficcional” aterrorizante disso, ver The Handmaid’s Tale (Toronto, McClelland and Stewart, 1998), de Margaret Atwood. [Também disponível em português em: ATWOOD, M. O conto da Aia. Rio de Janeiro: Rocco, 2021. (N. da T.)]
[43] Esse caso é descrito por Rowland em “Motherhood, Patriarchal Power ...” em Man-Made Women, op. cit.
[44] Russel Laros, Obstetric, Gynecology News, vol. 18, no. 11 (1983).
[45] Grifo da autora. (N. da T.)
[46] Rich, op. cit., p. 283.
[47] Ibid., op. cit., p. 283.
[48] Estou adotando essa afirmação do ensaio Right-Wing Women, de Andrea Dworkin (New York, G.P. Putnam’s Sons, 1983).