Conforme prometido, segue a resenha do livro Material Girls: Por que a realidade importa para o feminismo, da filósofa inglesa Kathleen Stock, publicado no Brasil em 2023 pela editora Cassandra. Lançado no Reino Unido em 2021 é, até onde pude encontrar, a primeira publicação em português abordando de forma crítica o que se convencionou a chamar de “teoria da identidade de gênero”. Embora já tenhamos dezenas em outros idiomas, ainda estamos carentes de leituras como essa por aqui sobretudo porque, como vocês bem sabem, as mais tímidas críticas são silenciadas com uma avalanche de ameaças e acusações coercitivas. Embora a decadência intelectual nos espectros mais radicais do construcionismo social paulatinamente se torna evidente, suas principais estrelas, como Judith Butler, seguem ganhando todo palco. É claro, ter a Ciência avalizando o ódio contra mulheres é bastante útil, mas há também algo importante que, para Stock, torna Butler o Harry Potter da filosofia:
Para os mais afeitos a uma certa mentalidade, Butler é o Harry Potter da filosofia, transformando velhos truísmos enfadonhos sobre o mundo material em uma alquimia movediça, cuja impermanência é sensual. Esse efeito é intensificado pela famosa opacidade do estilo da prosa de Butler, que pode levar os leitores a pensarem que estão acessando verdades realmente profundas, e pelo fato de que é raro a autora explicar as consequências de sua visão, em geral ofertando frases evasivas que logo parecem ser anuladas por outras. Em uma mesma página, ela pode dar a entender que não existem corpos humanos anteriores às diversas construções socioculturais contingentes desses corpos, e também que, afinal de contas, sabe-se lá como, a ‘materialidade’ de fato existe.
Butler é um exemplo fidedigno de filósofa de gabinete, sem nenhuma inserção real e prática nos movimentos sociais. Postulados teóricos devem estar sujeitos a um exame crítico rigoroso e não há motivos para que tal padrão científico não seja aplicado à teoria da identidade de gênero. Pelo contrário, dado o distanciamento da realidade material prática, a crítica se torna ainda mais necessária. Em defesa do debate, Stock insiste que todos têm legitimidade para argumentar sobre a natureza filosófica e as consequências práticas da teoria da identidade de gênero, sobretudo mulheres e homossexuais, grupos diretamente afetados, destacando que criticar a teoria da identidade de gênero e os movimentos que balizam sobre ela não é o equivalente a criticar moralmente as pessoas que a aderem.
Embora entenda a escolha de Stock em não adentrar a influência da indústria fármaco-médica, da filantropia capitalista e dos mecanismos globais como ONU em propagar práticas baseadas na teoria da identidade de gênero, a despeito de suas consequências, sobretudo para crianças e adolescentes, não deixando dúvidas do seu caráter neocolonial, o livro deixa as leitoras relativamente carentes para compreender os interesses capitalistas por trás dessa agenda.
No mais, é uma excelente leitura para os não convencidos, convencidos e perdidos. As reflexões conceituais complexas podem fazer sair alguma fumacinha do cérebro em alguns momentos, o que é excelente já que engolir acriticamente qualquer coisa que os teóricos da teoria da identidade de gênero e seus defensores falam não é bom para ninguém. Aproveitem e acompanhem a Kathleen Stock no
e em seus textos no Unherd. Outros textos da autora podem ser acessados aqui no Subtack da e tem uma tradução da Stock aqui no lado b, como reconhecer uma ficção - ou 4 dicas úteis para sair do transe.
resenha Material Girls: Por que a realidade importa para o feminismo