o que aconteceu depois da revisão Cass?
da Austrália ao Chile tivemos movimentações importantes sobre a medicalização de crianças e adolescentes com "confusão de gênero"
Caros e caras, peguem uma bebida de sua preferência, pois a track de hoje é longa. Antes de entrarmos nela, aproveito para avisar que o encontro com apoiadores ficou para terça-feira, 25/06, a partir das 19h30 no Google Meets. Enviarei um email só para apoiadores no domingo, 23/06, com o link do encontro.
Governos e profissionais da saúde do mundo todo estão reagindo à Revisão Cass e a outras revisões sobre práticas de medicalização de crianças e adolescentes com “confusão de gênero”. No Brasil, a mídia segue em silêncio, evitando trazer a público a movimentação internacional acontecendo em torno do que ficou conhecido como “medicina transgênero”, os escândalos envolvendo a organização referência no tema, WPATH (World Professional Association for Transgender Health), e os novos estudos sobre efeitos colaterais severos da medicalização permanente de corpos saudáveis.
Ontem mesmo, recebemos a notícia que dinheiro público, de emenda parlamentar, está sendo destinado a uma ONG cuja finalidade é proteger os “direitos de crianças e adolescentes trans”, embora não esteja claro quais direitos são esses e como eles se apoiam nas evidências globais sobre a melhor forma de oferecer suporte para crianças e adolescentes com confusão de gênero.
O passo de Sâmia Bomfim parece ser, do ponto de vista político, um tiro no pé, pois está cada vez mais difícil sustentar a ideia de que “crianças trans existem” — uma ideia criada e balizada por adultos, sobretudo para sustentar uma suposta existência de uma identidade de gênero inata que justificaria todas as alterações políticas e legais em fluxo sendo demandadas por estes adultos.
Eu não responsabilizo Sâmia Bomfim inteiramente. A deputada não está fazendo o seu trabalho direito, sem dúvidas, mas a mídia também não está, as sociedades médicas brasileiras tampouco e, com excessão do Movimento Infância Plena e do No Corpo Certo, não conheço nenhuma organização da sociedade civil, seja formal ou não, buscando quebrar o silêncio. Enquanto isso, as pessoas vistas como de esquerda sentadas no poder hoje estão submersas no transativismo de uma forma tão cega que não conseguem enxergar nem mesmo o próprio suicídio político ao adotarem uma postura de apoio irrestrito a toda e qualquer demanda dos transativistas, por mais escancarado que este esteja.
O cenário brasileiro se assemelha ao dos EUA, Austrália e Canadá, onde existe uma aceitação acrítica do chamado “tratamento afirmativo de gênero” para crianças e adolescentes e um cenário de não debate e recusa a qualquer evidência contrária à ideologia. Isso, para mim, só é passível de ser compreendido de duas maneiras: ou estão ganhando dinheiro com a medicalização de crianças e adolescentes ou estão fugindo de assumir a responsabilidade por terem endossado uma prática médica comprovadamente danosa.
É difícil saber quando e o que será a gota d’água. Nesse sentido, compreender as movimentações globais pode ser de alguma valia para pressionar o Ministério da Saúde e outras instituições, associações e sujeitos que têm simplesmente ignorado as evidências e dados se acumulando sobre o tema. Vamos a elas.
O mundo após a Revisão Cass
Relembrando brevemente, a revisão da Cass foi encomendada em 2020 pelo Serviço Nacional de Saúde Inglês (NHS) para a conceituada pediatra Hillary Cass após uma série de escândalos envolvendo a clínica Tavistock, responsável por oferecer bloqueadores de puberdade, hormônios do sexo oposto e cirurgias para “adequação de gênero”em crianças e adolescentes, até então a principal clínica do tipo no Reino Unido. Juntamente com a médica, estavam pesquisadores da York University.
Eles trabalharam no levantamento e análise dos dados e das diretrizes médicas de clínicas de gênero ao redor do globo e descobriram que referências circulares sustentam as principais diretrizes médicas, juntamente com meia dúzia de artigos acadêmicos com problemas de metodologia que comprometem suas conclusões. Entre as diretrizes analisadas está o chamado “protocolo holandês” (um estudo com adultos que é utilizado de base para justificar a “prática afirmativa de gênero” em crianças e adolescentes) e as recomendações do WPATH.
Para tensionar ainda mais a situação, e-mails revelados em um caso judicial em curso nos Estados Unidos provaram que os profissionais do WPATH sabiam não não haver evidências para medicalização de crianças e adolescentes, mas pediu aos pesquisadores não divulgarem o estudo. A revelação dos e-mails acontece depois dos vazamentos divulgados por meio do WPATH Files.
O WPATH contratou especialistas em medicina baseada em evidências da Johns Hopkins para conduzir uma revisão sistemática sobre “tratamentos afirmativos de gênero”. Tal como todas as outras revisões deste tipo, esta concluiu que há “pouca ou nenhuma evidência sobre crianças e adolescentes”.
Ou seja, havia estudos que podiam ser examinados e que podiam alegar bons resultados (ou maus), mas devido aos desenhos dos estudos ou outras limitações, não podiam ser considerados evidências. Como os resultados não se alinharam à sua narrativa padrão, o WPATH pediu que o estudo não fosse divulgado.
O WPATH, assim como associações médicas nos EUA, vem se opondo às conclusões da revisão Cass embora sem oferecer embasamento para tal oposição. Nota-se que os EUA concentra a maior parte do mercado de cirurgias e procedimentos de “redesignação sexual” no mundo segundo dados recentes levantados pela Coherent Market Insights.
Principais movimentações na Europa
A postura dos EUA e do próprio WPATH, no entanto, não tem sido suficiente para conter as movimentações internacionais para proteção da integridade física e mental de crianças e adolescentes experimentando confusão de gênero. Após as conclusões da revisão Cass, o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra expressou a sua gratidão à Dra. Hilary Cass e comprometeu-se a implementar as suas recomendações. Estes defendem que se confie principalmente à psicoterapia para abordar a confusão de gênero em menores e que se descontinue o uso de bloqueadores da puberdade. O NHS previu que a revisão histórica teria “grande importância e significado internacional” – uma previsão que se revelou correta.
Logo após a divulgação do estudo, Escócia e País de Gales suspenderam as prescrições de bloqueadores de puberdade e apoio a transição médica, incluindo o uso de hormônios do sexo oposto, para menores de dezoito anos. Não há previsão de retorno para as prescrições.
Na Alemanha e Suíça, duas grandes sociedades médicas, a German Society for Psychiatry and Psychotherapy, Psychosomatics and Neurology (DGPNN) na Alemanha e a Swiss Society for Child and Adolescent Psychiatry and Psychotherapy (SGKJPP) na Suíça, anunciaram a sua rejeição das novas diretrizes alemãs para “afirmação de gênero” para menores. As principais questões levantadas foram o fato de as diretrizes não analisarem as evidências pós-2020 e a sua confiança no WPATH.
No início de maio, a Assembleia Médica Alemã, um órgão central que representa os profissionais médicos de todo o país, aprovou uma resolução para que bloqueadores da puberdade, hormônios do sexo oposto e cirurgias para jovens com disforia de gênero fosse feita apenas em casos excepcionais e em ambientes de investigação estritamente controlados. Ainda, foi aprovada outra resolução que orienta que menores não sejam autorizados a “autoidentificar-se” com um sexo autodeclarado sem primeiro serem submetidos a uma avaliação e consulta psiquiátrica especializada.
Ambas as resoluções forneceram justificativas para as recomendações (ver a resolução em alemão e as versões traduzidas automaticamente para o inglês aqui).
Na Holanda, em 6 de junho de 2024, o Ministro da Saúde holandês dirigiu-se ao Parlamento Holandês reconhecendo a Revisão Cass e solicitando formalmente ao Conselho de Saúde Holandês sua própria revisão acerca da utilização do protocolo holandês em menores e os impactos físicos e mentais dos bloqueadores de puberdade em crianças e adolescentes. Espera-se que o Conselho de Saúde inicie o processo consultivo este ano.
Na Bélgica, um relatório defendendo reformas significativas nos protocolos de tratamento da disforia de gênero em crianças e adolescentes foi publicado em 9 de abril. O relatório enfatizou a necessidade de seguir os precedentes estabelecidos pela Suécia e pela Finlândia, onde as drogas são consideradas como último recurso. As conclusões e recomendações do relatório belga foram publicadas numa prestigiada revista médica associada às faculdades de medicina de língua neerlandesa na Bélgica e às suas associações de ex-alunos.
Os números dos Países Baixos e do Reino Unido mostram que mais de 95 por cento dos indivíduos que iniciaram a inibição da puberdade continuam com tratamentos de afirmação de gênero”, afirmou o relatório de P Vankrunkelsven P, K Casteels K e J De Vleminck. “No entanto, quando os jovens com disforia de gênero atravessam a sua puberdade natural, estes sentimentos só persistem em cerca de 15 por cento.”
O relatório foi publicado após um aumento de 60 por cento no número de adolescentes belgas que tomam bloqueadores para impedir o desenvolvimento dos seus corpos. Em 2022, 684 pessoas com idades entre nove e 17 anos receberam a prescrição do medicamento, em comparação com 432 em 2019.
Antes da revisão Cass, a Suécia, a Finlândia e a Dinamarca já haviam feito suas próprias revisões e chegaram na mesma conclusão, adotando uma abordagem mais cautelosa ao “tratamento afirmativo”, impondo restrições às intervenções médicas para lidar com a confusão de gênero em menores de dezoito anos. Seguindo os países vizinhos, a Noruega também sinalizou intenções de seguir um caminho semelhante.
Respostas da revisão Cass na América Latina e Oceania
Na América Latina, o Chile é o primeiro país a responder à revisão Cass. A principal clínica de gênero no Chile pediu a suspensão dos bloqueadores de puberdade e de hormônios [do sexo oposto] após intenso escrutínio da mídia
Por sua vez, a ministra da Saúde do Chile, Ximena Aguilera, ordenou ao sistema de saúde pública que não administre bloqueadores da puberdade ou hormônios do sexo oposto a novos pacientes. A ministra reconheceu a fragilidade das evidências científicas para a medicina pediátrica de gênero e a necessidade de analisar a Revisão Cass da Inglaterra, segundo a jornalista da Rádio Tele13, Paula Comandari.
O efeito da decisão da ministra da saúde chilena reflete no serviço público a restrição prévia de 5 de junho, imposta pela rede privada de saúde UC Christus, onde os clínicos de gênero pioneiros do país têm dispensado tratamentos hormonais a menores há mais de uma década.
Saiba mais: https://www.genderclinicnews.com/p/shut-down
Na Oceania, onde o “tratamento afirmativo” tem sido adotado de forma irrestrita como nos EUA e Canadá, vimos o governo da Tasmânia se tornar a primeira administração australiana a recomendar uma revisão nacional dos serviços públicos de gênero para menores. Como reportou o jornalista australiano Bernard Lane, “o ministro da Saúde do estado da ilha, Guy Barnett, que também é procurador-geral, disse que escreveu ao seu homólogo federal - o ministro da Saúde do Partido Trabalhista da Austrália, Mark Butler, para pedir que ele considerasse a ideia”. Para Barnett, é preciso que a Austrália faça suas próprias revisões para garantir a segurança das crianças e adolescentes buscando os serviços médicos.
Já em Nova Gales do Sul (NSW), governado por grupos de centro-direita, o conselho estadual do partido aprovou uma moção pedindo aos governos estaduais e federais que proíbam a mudança de gênero medicalizada para menores, com base no fato de que o consentimento informado não é possível.
Em ambos o casos, há menções às conclusões do relatório Cass.
O jornalista afirma, ainda, que o Partido Trabalhista de centro-esquerda, no cargo federal e em outros estados, tem sido surdo às preocupações com as clínicas de gênero, assim como os Verdes. Ambos parecem comprometidos a defender o controverso modelo de tratamento de "afirmação de gênero" — uma posição semelhante a que vemos no Brasil por parte dos partidos PT, Psol, PCB e PcdoB.
Para saber mais sobre as movimentações na Oceania e em outras partes do mundo, veja esse resumão feito por Lane:
Mais notícias sobre medicina transgênero para jovens e adultos
→ Nova análise encontra benefícios exagerados em estudos de transição de gênero juvenil
Uma revisão publicada em 3 de junho em uma revista médica de prestígio descobriu que muitos estudos sobre tratamentos hormonais para crianças com disforia de gênero exageram os seus benefícios. A análise, liderada por Kathleen McDeavitt, do Departamento Menninger de Psiquiatria e Ciências Comportamentais do Baylor College of Medicine, revelou que muitos estudos apresentaram conclusões positivas sobre intervenções hormonais, mesmo quando os resultados eram insignificantes, pequenos ou mesmo negativos.
Saiba mais: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/apa.17309
→ Disforia de gênero é só uma fase para maioria das crianças e adolescentes
Um novo estudo de longo prazo realizado na Alemanha sugere que a maioria dos jovens diagnosticados com perturbações de identidade de gênero não continua a sentir-se dessa forma com o passar do tempo.
O estudo examinou dados de seguros de saúde ao longo de cinco anos, revelando que mais de metade dos jovens com idades compreendidas entre os 5 e os 24 anos, em todos os subgrupos etários, diagnosticados com “transtorno de identidade de gênero” já não tinham o diagnóstico após cinco anos. Especificamente, a taxa de desistência foi de 72,7% nas mulheres de 15 a 19 anos e de 50,3% nos homens de 20 a 24 anos. Entre todo o grupo de 5 a 24 anos, apenas cerca de 36,4% dos diagnosticados em 2017 ainda tinham o diagnóstico cinco anos depois, indicando que mais de 63% desistiram.
Um dos pontos fortes deste estudo é a sua recolha abrangente de dados de faturação ambulatorial para todas as pessoas legalmente seguradas na Alemanha, fornecendo uma amostra grande e representativa. Além disso, o longo período de observação de 2013 a 2022 oferece informações valiosas sobre tendências de longo prazo e mudanças nas taxas de diagnóstico.
→ Pediatra afirma que Revisão Cass é falha, mas se recusa a explicar o porquê, mesmo após a oferta de 10 mil dólares a serem doados para qualquer instituição infantil de sua escolha
O pediatra estadunidense, Dr. Michael O'Brien, respondendo à January Littlejohn, da organização Do No Harm, rejeitou a Revisão Cass como “uma farsa, na melhor das hipóteses”. O pesquisador e autor Colin Wright convidou O’Brien para participar de um intercâmbio de boa fé por escrito com o colega do Manhattan Institute e especialista em medicina de gênero, Dr. Leor Sapir, sobre as descobertas da Revisão Cass e o tópico mais amplo de cuidados de afirmação de gênero. O debate seria publicado online, garantindo que alcançaria o maior público possível.
O'Brien se recusou a participar do debate, mesmo depois de Wright e Sapir conseguirem levantar 10 mil dólares do público, a serem doados para qualquer instituição infantil que O'Brien desejasse. JK Rowling colaborou com a arrecadação.
Saiba mais: https://www.realityslaststand.com/p/dr-michael-obrien-eager-to-affirm
→ Dois novos estudos reportam efeitos colaterais severos em mulheres transidentificadas como homens
Novo estudo encontra taxas mais altas de lacerações e sangramento vaginal em pacientes transexuais histerectomizadas em uso de testosterona, após a publicação de um estudo anterior sobre disfunção do assoalho pélvico ligada ao uso de testosterona.
Saiba mais: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1553465024002371 e https://link.springer.com/article/10.1007/s00192-024-05779-3
→ Nos EUA, juiz da Carolina do Norte permite que destransicionada siga com processo contra os médicos que fizeram sua transição
As acusações de fraude, facilitação de fraude e conspiração civil vão seguir para julgamento. Para o advogado Campbell Miller Payne, especializado em ações judiciais decorrentes da “medicina de gênero”, foi “a primeira decisão substantiva de que temos conhecimento, na qual um tribunal considerou que o caso de uma pessoa que destransicionou contra seus profissionais de saúde é legalmente viável”.
Até a próxima,
Marina Colerato