Mulheres Boki e a defesa da floresta na Nigéria
EN version available: Defending Ancestral Forests from Corporate Plunder: Boki Women Lead the Way
For international readers, the English version of this piece can be found here. This piece is part of a series of articles about logging in Nigeria by Francis Annagu that can be found here. Images copyrights belongs to the author.
Defendendo as florestas ancestrais da pilhagem corporativa: mulheres Boki lideram o caminho
Na terra de Boki, o som das motosserras é agora o som do apagamento cultural. Ao longo das últimas cinco décadas, as florestas desta região ancestral, localizada no estado de Cross River, na Nigéria, sofreram uma pilhagem implacável — não apenas por meio da extração de madeira, mas também pelo tráfico de animais silvestres, com muitas espécies hoje ameaçadas ou já extintas. Essa destruição atinge profundamente as mulheres Boki, que há séculos sustentam suas famílias através da coleta tradicional de mangas-do-mato, nozes e vegetais. Esses “presentes” da floresta eram arquivos vivos de riqueza, identidade e memória intergeracional — mas não mais. Diante da marcha sufocante do extrativismo corporativo, esses modos de vida indígenas estão sendo substituídos pelo cálculo frio da exploração.
Os Arquitetos do Ecocídio
A destruição das florestas tropicais de Boki se desenrola como uma crise em câmera lenta, alimentada por uma teia de interesses consolidados. Cartéis madeireiros, frequentemente armados, operam com impunidade. Junto a eles, madeireiras industriais — como empresas chinesas — dilaceram as florestas, deixando uma paisagem escarificada onde antes havia ecossistemas vibrantes. Esses agentes não são sujeitos fora da lei, mas funcionam dentro de um sistema permissivo, moldado por uma governança ambiental frágil, demanda global por matérias-primas e a mercantilização da natureza — um sistema que prioriza o lucro em detrimento das pessoas.
As consequências vão muito além das árvores derrubadas. O desmatamento em Boki contribui para o aquecimento global e aprofunda a insegurança humana — lembrando que o dano ambiental não conhece fronteiras. Para as mulheres Boki, a perda é imediata e íntima. Privadas do acesso às florestas que garantiam seu sustento, não podem mais coletar nozes silvestres ou cultivar alimentos sem serem intimidadas. Essa exclusão está enraizada em relações de poder generificadas históricas e na tomada de decisões de cima para baixo, conduzida pelas autoridades florestais, além de políticas públicas que não reconhecem legalmente os direitos fundiários das mulheres. A ironia é dolorosa: quem mais sofre é quem menos tem voz.
Quem destrói o ecossistema de Boki?
As empresas madeireiras chinesas lideram a devastação sob o pretexto de “exploração seletiva” — um eufemismo para a extração predatória de árvores de alto valor, como o iroko e o cedro africano. Essas espécies, antes pilares ecológicos e culturais, agora são removidas como cadáveres sobre caminhões. As florestas, antes fonte de vida, tornaram-se campo de batalha, comercializadas por meio de acordos obscuros.
A resposta do governo é o silêncio — ensurdecedor. Há acusações de envolvimento de autoridades locais em atividades ilegais de desmatamento. O próprio sistema que deveria proteger a floresta se torna cúmplice da destruição.
Desde 2002, a Nigéria tem estado à mercê da China. O país asiático investe em infraestrutura e concede empréstimos para garantir acesso a matérias-primas. Empresas chinesas estão por trás da exportação de 1,4 milhão de toras de madeira. Documentos de terras foram forjados com a ajuda de chefes locais corruptos, apagando os direitos ancestrais das comunidades com um simples papel. Ainda que a Lei de Uso da Terra de 1978 permita ao governo reivindicar terras para fins públicos, o sistema de posse consuetudinária segue existindo como uma realidade indígena e legal. A perda, em Boki, é existencial: um apagamento de todo um modo de vida.
A Frente das Mulheres da Associação Banyinyi Boki (The Frontline of Banyinyi Boki Women's Association)
Diante da devastação, a Associação das Mulheres Banyinyi Boki emergiu não apenas como guardiã da natureza, mas como arquiteta de um futuro alternativo. Fundada em 1959, a associação foi criada para preservar a cultura Boki e incentivar a participação das mulheres no desenvolvimento comunitário. Hoje, ela também desempenha papel vital no combate ao desmatamento.
As mulheres organizam protestos pacíficos e mobilizam a comunidade em torno de leis mais rígidas e sua aplicação efetiva. Com o apoio técnico de ONGs especializadas, suas práticas se fortalecem e suas vozes ecoam além das florestas. Ao contrário das empresas madeireiras, as mulheres Boki veem a floresta como um sistema vivo, baseado na reciprocidade, respeito e interdependência.
Os Métodos das Banyinyi
Além de restaurar ecossistemas, elas enfrentam a destruição diretamente. Florence Kekong, uma das líderes, lançou em 2022 um projeto de reflorestamento com pimenta-de-passarinho para atrair aves dispersoras de sementes. “Os pássaros são nossos parceiros”, diz ela. Esse saber tradicional, refinado ao longo de gerações, contrasta com plantações monocultoras que destroem a biodiversidade.
Em 2020, ao flagrar um homem derrubando árvores ilegalmente, as mulheres o envergonharam publicamente — uma forma de justiça comunitária. Amarraram cipós ao redor da cintura dele e cantaram: “Você que corta os membros da Mãe, carregará suas cicatrizes”. O gesto denunciou a falência das leis ambientais, cujas multas simbólicas não fazem justiça. “A lei é um fantasma”, disse Florence. “Nós somos as verdadeiras protetoras”.
Descolonizar a Justiça Ambiental
Como as mulheres Boki, essa visão rejeita hierarquias antropocêntricas e valoriza o saber indígena e o cuidado territorial. Elas nos desafiam a perguntar: é possível deixar de explorar a natureza e começar a aprender com ela?
Maureen Osang, porta-voz da associação, fala do conhecimento ancestral das mulheres: cultivos tradicionais, colheitas sustentáveis e alimentação baseada em alimentos locais e orgânicos, como inhame, feijões nativos, cogumelos e melão silvestre.
O chefe local, Sua Alteza Fredalin Akandu, confirma essa conexão: “Nossas florestas têm vida. Quando as mulheres vão à roça, colhem caramujos pelo caminho. Nossa floresta fornece água de nascente, ar puro e abriga espécies ameaçadas como gorilas, macacos-drills e chimpanzés nas montanhas Afi”.
O Futuro: Uma Reimaginação Radical do Poder
Se o saber indígena guarda as respostas, o que nos impede? Talvez nossa sobrevivência coletiva exija mais do que resistência — exija a reimaginação radical do poder. Como negociar com um sistema feito para te apagar?
As mulheres Boki sabem disso. Sua força está na visão compartilhada e no cuidado coletivo. Quando envergonham madeireiros ou replantam florestas com ajuda dos pássaros, estão resistindo ao sistema destrutivo e, ao mesmo tempo, construindo seu substituto.
A verdadeira disputa em Boki não é entre desenvolvimento e conservação, mas entre duas formas de ser humano: uma que vê a floresta como mercadoria, outra que a reconhece como parente. Suas ações não são paliativas — são os primeiros fios de um futuro plural, regenerativo, enraizado no território.
Enquanto as florestas de Boki desaparecem diante dos nossos olhos, a crise mais profunda não é apenas o desmatamento — é a negligência. O mundo assiste, indiferente, enquanto a luta das mulheres Banyinyi revela uma verdade incômoda: não nos faltam soluções — nos falta coragem para abandonar os mitos do progresso que nos cegam.