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De repente faltou pé

Marina Colerato
Mar 14, 2021
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Aqui estaria escrito o tempo de leitura e tempo de escrita dessa track. Você vai levar uns 3 minutos para ler. Mas essa escrita, numa tentativa nunca satisfeita de total abstração, foi elaborada em partes e virou texto de forma abrupta em uma noite insone.

Para ouvir enquanto lê:


@marcelascheid

Quem nunca disse que iria sair pra tomar só um drink, mas acabou bebendo tanto que ficou de ressaca por três dias? Ou ainda que seria só uma trepada, mas se apaixonou perdidamente? Que era só uma viagem de alguns dias, mas se transformou em moradia permanente? Nesse sentido, me questiono se estamos mesmo de posse dos nossos destinos. 

Algo na água me fez perder a perspicácia dos sentidos e a força das pernas. O sal era ora amargo como pó, ora não identificável como cogumelo, ora insosso como ácido. De qualquer forma, me deixou chapada. Aquecida pelos raios do sol, aquela piscina natural estava mansa como uma tarde de férias de verão. O objetivo não era se esbaldar; apenas um mergulho rápido, há tanto a ser feito.

A prepotência está na ideia de que você tem algum (ou todo) tipo de poder necessário para não se deixar levar uma vez que aquela sensação boa de entorpecimento te toma lentamente. Ser completamente honesta é dizer que estar submersa em tamanho êxtase talvez seja uma das melhores sensações que um ser humano pode experimentar e nunca quer deixar.

Quando você está bebado, cheirado ou alto com qualquer coisa, um acontecimento brusco, como uma notícia ruim ou um acidente, te deixa em estado de alerta e faz passar a loucura. É como se o cérebro mandasse sinais pra ele mesmo, ficar sóbrio se torna um mecanismo de sobrevivência. 

O tempo fechou, a maré encheu, me levou pra longe sem que fosse possível notar. Faltou pé. A onda veio tão forte que arrancou meu biquini e enfiou litros de água goela abaixo. Quando recuperei o fôlego e emergi na superfície, estava completamente  assustada, nua - e sóbria. Tossi com esforço tentando me livrar daquele excesso de água, com medo de uma overdose. 

Levou alguns minutos para traçar uma estratégia para alcançar terra firme; o susto foi paralisante. Enquanto nadava em direção à praia, pude sentir meu corpo todo doer, como se tivesse levado uma surra. Por um momento, a dor foi tão intensa que deu vontade de gritar. Mas seria uma ação inútil, a energia fará falta no nado de volta. É melhor deixar a dor virar pesar, recuperar o fôlego e seguir adiante. 

A tentação de sentir raiva do mar é humana, carnal. Mas a gente sabe que o mar é mar. Não é sobre a habilidade do nadador. É da natureza do mar ter ondas, mudar a maré, te dar uns rolas; e nós sabemos que uns mares são mais bravos que outros. Entrar é um risco que se corre e muitas vezes de forma consciente, ignorando as placas vermelhas espetadas na areia. Elas são tantas que dizer não as ter visto seria das mentiras mais descaradas. 

Talvez a raiva do mar, apesar de todos os esforços de compreensão, venha dessa inconstância inerente, que ele se esforça em disfarçar. Às vezes, se faz tão calmo que hesitamos diante da validade dos avisos. É fácil se enganar. Principalmente quando a água salgada te deixa alucinada e o toque de sol te seduz. Parece uma armadilha pronta e muito bem pensada. O canto da sereia, responsável por encantar piratas e leva-los rumo a própria morte, tem muitas formas. 

Há quem se torne obscecado em superar a instabilidade, quem não aceita a potência autônoma do mar em nos mastigar e cuspir repetidamente, num movimento similar ao dos ruminantes. Ele te puxa pra dentro só pra poder te empurrar pra fora. Vejo pouca vantagem na obstinação; é como querer transformar uma coisa em outra completamente distinta. Domar o mar é querer transformá-lo em terra firme, querer dele uma estabilidade permanente discordante de seu espírito. A loucura absoluta está em acreditar ser capaz de fazer isso com todos os seus mecanismos cerebrais comprometidos pela química.

Mesmo que, de alguma forma e em momentos estratégicos, ele te prometa e demonstre que você pode confiar, sábio é pegar as coisas, se é que algo tenha lhe restado, e navegar por outras águas, talvez doces dessa vez. Ao titubear, basta olhar com foco para as previsões para ver que a única certeza de fim é diametralmente oposta ao que se almeja alcançar: a terra firme, antes do que a gente imagina e queira, deve virar mar.


Até a próxima,
Marina Colerato 

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