a urgência de um materialismo corporificado
bônus track #2 [leituras ecofeministas]
Movendo-se para um Materialismo Corporificado
Por Ariel Salleh
tempo de leitura: 16 minutos
Uma iniciativa da revista Capitalism Nature Socialism (Capitalismo Natureza Socialismo - CNS) busca ajudar ecossocialistas e ecofeministas a encontrarem uma linguagem política comum. Considerando que a CNS está dedicada à equidade social no contexto da sustentabilidade, nem só o feminismo bastará. Então o primeiro passo foi reunir um grupo de editoras ecofeministas, pessoas que são ao mesmo tempo ativistas e autoras com publicações internacionais no campo. Por sua vez, elas estão convidando mulheres ativistas, e membros de organizações como EcoPolitics, a National Women’s Studies Association (Associação Nacional de Estudos de Mulheres), a Global Studies Association (Associação de Estudos Globais), e a International Association for Feminist Economics (Associação Internacional de Economia Feminista), para participar do processo de generificar o ecossocialismo. O objetivo é garantir que cada edição tenha ao menos um artigo ecofeminista - usualmente escrito por uma mulher, embora não necessariamente. Há espaço para uma edição especial ecofeminista, para colunas de opinião e para relatos de campanhas populares femininas. A Conferência de Aniversário do CNS de 2005 na York University, Toronto, apresentou a ecofeminista alemã Maria Mies, autora do livro Patriarchy and Accumulation, ao lado da voz ecossocialista de James O’Connor, editor fundador do CNS.
No ano passado, a CNS publicou artigos ecofeministas sobre capitalismo e o corpo, disputas de terra no Quênia e a campanha global em relação ao algodão da organização Diverse Women for Diversity (Mulheres Diversas Para Diversidade). Os artigos em questão abordaram segurança alimentar, ecoturismo, lutas contra produtos tóxicos e engenharia genética. Alguns são artigos teóricos, outros cobrem temas substantivos ligados de alguma forma ao trabalho reprodutivo. E uma leitura cuidadosa revela novos e críticos construtos nesses escritos, ideias para levar nossa ecologia política1 adiante. Essas iniciativas da CNS voltadas para a parceria ecofeminismo e ecossocialismo são necessárias, mas insuficientes por si só. Tornar visíveis as contribuições femininas para a ecologia política é menos da metade do que precisa ser feito. Não vale a pena publicar ensaios atenciosos de mulheres se os homens entre os leitores não se envolverem com essas novas percepções e com o desafio intelectual de reconhecer a frequência com que o gênero entra na própria formulação de um conceito político.
Em termos gerais, as ecofeministas estão pedindo aos ecossocialistas que se afastem de sua visão transcendente e fortaleçam suas políticas de forma imbricada à materialidade do mundo cotidiano. Parte dessa aterrissagem no aqui e no agora é sobre relembrar como estamos incorporados e inseridos na terra. Trata-se de um processo dialético de olhar para dentro e compreender onde a grande divisão de gênero - a mais profunda de todas as opressões sociais - marca cada uma de nossas vidas. Esse reconhecimento é o primeiro momento político a ser compartilhado entre ecofeministas e ecossocialistas, assim como entre as subjetividades masculinas e femininas em geral. Nossas energias corporais são configuradas artificialmente e restringidas pelo gênero, e essas dissociações, por sua vez, deformam as práticas econômicas, as instituições sociais e as crenças culturais. Um segundo momento político é o desenvolvimento de habilidades práticas para proteger as organizações face a face e virtuais de serem prejudicadas por hábitos de gênero. Um terceiro momento político é o diálogo e a reconceituação. Aqui, levamos nossos construtos de trabalho como prismas em direção à luz e, onde eles são obscurecidos pelo gênero, tentamos perspectiva-los de forma diferente.
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Durante a insurgência radical no final dos anos 60 até os anos 70, muitas mulheres ficaram chocadas ao descobrir o caráter cego acerca de sexo/gênero das políticas nos movimentos trabalhistas, pela paz e pelo meio ambiente. As análises das mulheres sobre as relações patriarcais capitalistas destacaram diferentes aspectos de fenômenos como o complexo industrial militar e trouxeram diferentes percepções sobre estratégia. Mas suas vozes foram silenciadas, pois os próprios movimentos eram masculinistas tanto na estrutura interna quanto no funcionamento. Não é surpresa, então, que uma das primeiras premissas a sair dessa Segunda Onda de feminismo foi que “o pessoal é político”. Se as mulheres se afastassem e estabelecessem ações “somente para mulheres”, eram acusadas de separatismo. Por outro lado, muitas vezes os verdes ou socialistas nos diziam para fazermos nosso feminismo em outro lugar, para não atrapalhar "o jogo principal". O primeiro momento político de uma política de gênero - reconhecimento - estava muito distante, quanto mais o segundo ou terceiro.
No último quarto de século, espaços para mulheres foram abertos no governo, na academia, em jornais, partidos políticos e OSCs (Organizações da Sociedade Civil). Mas, a julgar pela mudança sempre tão sutil em termos de referência, essas rupturas parecem ter sido pouco mais do que expressões do politicamente correto. Enquanto isso, a preocupação das mulheres com os aspectos micro e macro da política de sexo/gênero estava criando uma literatura internacional substancial e uma história orgulhosa de intervenções políticas em todo o mundo. A mais acadêmica dessa escrita feminista baseia-se na sociologia, economia e relações internacionais e é informada de várias maneiras pela psicanálise, marxismo, fenomenologia e pensamento pós-estruturalista. Mas as mulheres também interrogaram essas tradições recebidas. Um grupo - feministas ecológicas - estendendo suas preocupações além do espectro dos feminismos radicais, liberais, marxistas, culturais e pós-estruturalistas, ampliou a compreensão científica social do poder examinando criticamente o vínculo Humanidade-Natureza. As ecofeministas explicam as implicações materiais da subordinação das mulheres como mediadoras de processos biológicos para os homens. Para a maioria das mulheres é trabalho reprodutivo nos sentidos sexual, econômico, cultural e ecológico dessa palavra. Eles estão associados com - mas certamente são muito mais do que - "condições de produção".
Deste ponto de vista, as ecofeministas fizeram leituras desconstrutivas de pensadores ecologistas políticos pioneiros, como o ecologista Arne Naess, o ecologista social Murray Bookchin e o ecossocialista John Bellamy Foster. Mas, assim como ocorreu com as tentativas anteriores de aumentar a consciência do ativismo dos anos setenta, seus reflexos caíram na pedra e pouco frutificaram. Não que suas análises não fossem publicadas, embora a censura não seja desconhecida. Existem muitos livros e artigos de mulheres por aí, mas estudiosos com identificação masculina - não necessariamente homens - ignoram essa escrita, colocando-a de lado como "coisa de mulher". Parte do problema é a hierarquia patriarcal que dita quem pode citar quem no trabalho acadêmico. Mas mesmo quando estudiosos masculinos identificados respondem, minha observação no caso de textos ecofeministas é que muitas vezes eles "simplesmente não entendem". Ou eles se empenham para defender antigas posições de gênero, ou respondem sem se dar ao trabalho de se familiarizar com toda a literatura. Muito ocasionalmente, há apropriação de um nome ou tema ecofeminista - muitas vezes sem referência e de uma forma que ignora o contexto mais amplo da ideia. A triste verdade é que, em geral, os homens continuam a mostrar falta de respeito acadêmico pela produção intelectual das mulheres. Enquanto isso, as mulheres acadêmicas já entenderam que se ganham poucos pontos com isto, ou seja, é inútil academicamente se apoiar na produção acadêmica umas das outras.
Então, como podemos chegar ao terceiro momento em nossa dialética - diálogo e reconceituação? Como diz um velho ditado feminista de Audre Lorde: “as ferramentas do mestre não irão desmantelar a casa do mestre”. Para os socialistas, a classe capitalista, seus comparsas do governo e defensores desse estilo de vida são o mestre, e sua casa é a esfera pública global. Para as ecofeministas, isso também é verdade, mas há outro mestre corporificado nas relações de poder privadas que governam a vida cotidiana das mulheres em casa, no trabalho e na academia. É por isso que usamos a construção dupla das sociedades capitalistas patriarcais - onde o capitalismo denota a mais recente forma histórica de dominação econômica e social dos homens sobre as mulheres. Este duplo termo integra as duas dimensões do poder, reconhecendo a energética patriarcal como a priori do capitalismo. Como os ecossocialistas reflexivos sabem: a psicologia da masculinidade é ativamente recompensada pelo sistema capitalista, mantendo assim essa economia intacta.
O “duplo golpe” dos impactos patriarcais capitalistas que as mulheres enfrentam impõe outro dueto - sexo/gênero. É politicamente correto hoje em dia falar como se as diferenças entre homens e mulheres fossem simplesmente sobreposições socialmente construídas sobre dois tipos andróginos de corpo. Na América do Norte, feministas liberais e pós-estruturais enfatizam essa formação discursiva de identidades pessoais. Certamente, a dominação convencional masculina do feminino é um estilo aprendido, e não necessariamente uma expressão direta do corpo sexuado. Mas a moda atual de totalizar a construção social só faz sentido em uma economia de alta tecnologia, onde as pessoas podem projetar suas vidas de maneiras a contornar sua biologia sexuada.
A partir de uma perspectiva global, é um absurdo etnocêntrico inferir a partir de nossas próprias oportunidades de autotransformação que apenas a construção de gênero adquirida é relevante para nosso trabalho pela igualdade política. Pensando de forma internacional sobre justiça, as mulheres constituem a maioria da população global de acordo com a categiria sexo/gênero. Ou usando outra lente sociológica, elas constituem metade de qualquer classe ou grupo indígena. Seja qual for a sua visão, as mulheres são a maioria global. E a maioria das mulheres é oprimida, tanto como corpo feminino generificado quanto como corpo feminino sexuado. Além disso, as duas condições podem se reforçar mutuamente. Em qualquer caso, um aprofundamento ecofeminista do pensamento ecossocialista reconhecerá as fontes biológicas de dominação social tanto quanto as discursivas. As realidades naturais e culturais interagem entre si e com a identidade de classe, traduzindo-se em efeitos materiais como pobreza e desvantagem social.
Em 1994, Martin O’Connor publicou uma bela antologia da série CNS Guilford chamada Is Capitalism Sustainable? Com sorte o suficiente para obter uma voz ecofeminista naquela coleção inicial, tentei esboçar as enormes consequências estruturais do dueto sexo/gênero. Por exemplo, as mulheres globalmente recebem menos de 10% de todos os salários pagos e apenas 1% das mulheres no mundo possuem propriedades. Após uma década de globalização neoliberal e guerras, a vida das mulheres - Norte e Sul - está ainda mais difícil. A razão para isso é que: a posição das mulheres como mediadoras da natureza é uma condição prévia para a transação que ocorre entre os homens capitalistas e trabalhadores. Mary Mellor descreve este trabalho como um tempo biológico para os homens. Silvia Federici conta a história de quebrar e domar o corpo feminino e como os homens têm sido cúmplices do capital nisso. De forma relacionada, Terisa Turner aponta para o que ela chama de acordo masculino, alcançado por colonizadores ocidentais e homens locais, enquanto eles constroem o desenvolvimento econômico nas costas das mulheres do Terceiro Mundo.
Sugeri que o nexo natureza-mulher-trabalho é uma contradição fundamental do sistema patriarcal capitalista, em que as mulheres não são nem sujeitos políticos plenos, nem trabalhadoras por completo. Ecossocialistas precisam compreender essa contradição não declarada, mas originária, porque ela penetra no próprio cerne de sua análise política. Como trabalho reprodutivo, as mulheres arcam com o principal custo das políticas do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da Organização Mundial do Comércio e das guerras capitalistas. No entanto, como prestadoras de cuidados primários e produtoras de alimentos da comunidade, as mulheres também são as especialistas por excelência em sabedoria preventiva e praticantes da sustentabilidade. Essas experiências as educam - sejam donas de casa, camponeses ou indígenas - para a liderança global. Além disso, a atribuição ambígua e a negação da humanidade às pessoas sacrificadas e tratadas como recurso carregam seu sentido político.
Na antiga ossatura da lógica patriarcal capitalista, "os homens são a cultura, as mulheres são a natureza" - uma justificativa perfeita para a externalização econômica da "outra metade". Consequentemente, no discurso androcêntrico da economia ocidental, o excedente material gerado pelo trabalho das mulheres permanece implícito, da mesma forma que o trabalho indígena e a própria natureza têm valor zero. Mover-se para um nível mais profundo de abstração como o nexo natureza-mulher-trabalho, ou colocando de outra forma, mover-se para um materialismo corporificado, permite aos ecossocialistas reconhecerem opressões além da classe trabalhadora. Ele oferece uma estrutura para uma política de integração, ajudando os ecossocialistas a teorizar a resistência ao capital de uma forma que não é apenas socialmente justa, mas ecologicamente sensível. Tem havido muita ênfase da esquerda no potencial emancipatório do proletariado industrial urbano e muito pouca ênfase em outras pessoas oprimidas. Hoje, à medida que o estrangulamento corporativo se intensifica, os ecossocialistas precisam aprofundar suas análises para ampliar suas alianças. Especialmente importante nesta conjuntura é a comunicação com um movimento alternativo à globalização muito diverso.
A meu ver, o objetivo comum do ecofeminismo e do ecossocialismo é reunir movimentos separados - lutas de trabalhadores, mulheres, indígenas e ecológicas - de forma a integrá-los sem perder a diversidade. Como nos mostra a resposta política global ao florescimento do neoliberalismo em Porto Alegre e Mumbai, não é o trabalho industrial urbano, mas sim o trabalho metaindustrial - mães, pequenos agricultores, caçadores-coletores nas periferias do capital - que conhece mais intimamente os significados de justiça econômica, equidade social, autonomia cultural e sustentabilidade ecológica. Isso não é para descartar a análise econômica de Marx, mas para adaptá-la ao nosso tempo. Exige um estudo mais aprofundado das dimensões complexas do trabalho reprodutivo por ecossocialistas; e requer uma leitura daquele grande programa transformador do século 19, que pode apoiar futuros inclusivos. Uma proposta que abrange simultaneamente justiça econômica, equidade social, autonomia cultural e sustentabilidade ecológica é a perspectiva de subsistência, desenvolvida pelas ecofeministas Maria Mies, Ellie Perkins e outras. Isso pré-configura um bem comum ecológico-político que poderia ser ao mesmo tempo pós-gênero, pós-colonial e ecologicamente correto.
É claro que criar um fórum da CNS para ecopolíticas generificadas pode ser mais fácil de falar do que fazer. Ao trazer à tona a divisão sexo/gênero, tentamos desfazer atitudes que duram milhares de anos. E nem é preciso dizer que quase sempre há dinâmicas difíceis para as mulheres que trabalham dentro de estruturas organizacionais criadas por homens - especialmente quando uma visão estabelecida é considerada como dada. Isso remete ao segundo momento político - desenvolver as habilidades para gerenciar interações reflexivas. Como ter certeza de que as mulheres vão além do antigo papel de “auxiliares sindicais” ou “donas de casa para a revolução?” Como podemos ver que suas contribuições para a revista não são meros tokens ou objetos do “olhar” ecossocialista? Como evitamos que os escritos de mulheres sejam banalizados como "coisas de mulheres"? Como encorajamos mulheres intelectuais a debater, sem “luta na lama” para excitar um público ambivalente? E como podemos evitar o espetáculo de mulheres brancas acampando para competir com "times feministas" pós-coloniais? Mais de uma década ou mais, vi todas essas coisas acontecerem.
E existem outras armadilhas. Às vezes, quando pessoas acadêmicas são novas na questão de sexo/gênero, elas são retidas por suposições pré-concebidas. Por exemplo, pode-se supor erroneamente que o fato de ser uma mulher quem está escrevendo, ela apresenta uma visão feminista; ou porque ela escrever sobre questões ambientais, ela deve ser uma ecofeminista. Em segundo lugar, os ecossocialistas podem ignorar a pluralidade de paradigmas dentro do feminismo, do radical, liberal, marxista, cultural e pós-estrutural ao ecofeminista. Os estudiosos podem entrar em conflito com o ecofeminismo, porque essas diferenças epistemológicas fundamentais não são reconhecidas. Novamente, os editores podem inconscientemente dar um livro ecofeminista para uma revisora feminista pós-estruturalista - um pouco como enviar as divagações de Sartre a Althusser para avaliação. Indiscutivelmente, o ecofeminismo tem mais em comum com o ecossocialismo do que com a maioria dos outros feminismos. Mas pode-se argumentar o contrário, pois a nossa política é puxada e esticada por compromissos híbridos.
Ocasionalmente, tendências teóricas assumem o controle do pensamento ecofeminista, apenas para colonizar e comprometer suas origens básicas orgânicas. O debate muito confuso sobre “essencialismo” é resultado desse tipo de anomalia, e os leitores do CNS terão a chance de examinar isso em um artigo a ser publicado por uma nova escritora, Phoebe Godfrey. Muito do trabalho político ecofeminista eficaz é realizado por pessoas não informadas por nenhuma filosofia formal: mulheres ativistas, camponesas, classe média ou trabalhadora. Como os ecossocialistas podem aprender com insights ecofeministas e, em troca, desenvolver uma linguagem teórica compartilhada com esses insights? Isso pode significar ajustar o vocabulário pré-ordenado a percepções socialistas mais imanentes. Estamos prontos para enfrentar esse desafio com integridade psicológica e também com rigor? Podemos explorar estratégias para isso na revista - emparelhar teóricos e ativistas para trabalhar juntos, talvez, onde os ecossocialistas não têm uma práxis prática?
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Essas são algumas das questões que os editores, autores e leitores da CNS enfrentam à medida que avançamos em direção a um materialismo corporificado. A metáfora pessimista, mas muito apropriada, de Joel Kovel para o apartheid teórico atual do ecofeminismo e do ecossocialismo é "navios passando à noite". Mas gostaríamos de pensar que, cada vez mais, as submissões futuras evidenciarão uma ecologia política integrativa. Melhor ainda, os ecossocialistas na comunidade da CNS podem pegar temas de artigos ecofeministas passados e futuros, discutir o território ao redor deles e testar construções analíticas para adequação de classe, gênero, étnica e ecológica. Afinal, um ecossocialismo caolho perde contato com a abordagem holística e dialética do próprio Marx.
As ecofeministas estão pedindo aos ecossocialistas que se juntem a elas em um relato mais amplo de como o capital degrada as "condições de produção". Desvendar o nexo natureza-mulher-trabalho é central para este trabalho - não menos importante, a distinção entre “mulheres” e “condições” como tais. A exploração dos poderes de trabalho reprodutivo das mulheres continua - desde mães em superestados do capitalismo tardio, como a UE, até produtores de alimentos em comunidades pobres da África. E, na opinião pública, essa extração econômica ainda se naturaliza na névoa ideológica de “homem é cultura, mulher é natureza”. Ao desenvolver uma parceria ecofeminista-ecossocialista, não vamos perder de vista a contradição originária e seus deslocamentos voláteis. Como diz Ynestra King, é importante focar na realidade pré-gênero de que mulheres e homens fazem parte da natureza. O segredo é para os ecossocialistas reivindicarem essa incorporação - e seus significados - lembrando-se de como todas as nossas energias fluem e refluem com a terra.
Ariel Salleh é australiana, ativista, autora de Ecofeminism as Politics: Nature, Marx, and the Postmodern (2007 [1997]) e organizadora de Eco-Sufficiency and Global Justice: Women Write Political Ecology (2009). Fundadora da revista Capitalism Nature Socialism, é também professora associada de economia política na Universidade de Sydney, Austrália, catedrática emérita na Universidade Friedrich Schiller, em Jena, Alemanha, e professora visitante na Universidade Nelson Mandela, na África do Sul. No Brasil, você encontra seus textos nos livros Capitalismo em quarentena e Pluriverso, ambos da Editora Elefante. Leia o texto original em inglês aqui.
Nota de tradução: a escolha pelo termo ecologia política ao invés de ecopolítica, como no original, se deu para evitar possíveis sobreposições com o conceito de ecopolítica relacionado à ideia de governamentalidade planetária nascida a partir da lógica de uma possível gestão - ou remediação capitalista - da crise ambiental e climática.