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Para ouvir enquanto lê:
Tudo que estou contando aqui me dói. Mas tem coisa que dói mais. E tem coisa da qual eu tenho bastante vergonha. Eu já fiz coisas horríveis achando que estava ajudando — mas sem, de fato, me responsabilizar inteiramente pela situação. Isso é algo que deve ser levado em consideração ao decidir resgatar ou adotar um animal.
Sabe aquela frase do Pequeno Príncipe, você se torna eternamente responsável por aquilo que cativa? Completamente equivocada em se tratando de humanos. Humanos se deixam cativar, não venha me cobrar depois. Mas é absolutamente verdadeira para animais. A gente se torna eternamente responsável pelo animal que adota. Até a morte do bicho.
Portanto, quando a gente concorda em adotar, o tempo todo da vida dele — e todas as coisas dentro desse tempo: mudanças, doenças, veterinários, ração, namorados, empregos, cidades, casas — deve ser levado em consideração. Temos que cuidadosamente examinar nossa disponibilidade para tal compromisso.
Claro, ninguém sabe o que vai acontecer amanhã, até que a morte os separe é outra ficção, mas a decisão de adotar um bicho deve ser tomada a partir do entendimento de que, seja o que acontecer, eu vou ter que levar em consideração o bem estar dessa outra vida que estou acoplando à minha. E o bem estar de cachorros e gatos costuma estar atrelado à presença, dedicação, cuidado e carinho do humano que o adotou.
Eu não pensei em nada disso quando li o anúncio no bulletin board do centro comercial onde ficava a pizzaria em que eu trabalhava, em Hanalei, no Kauai. Eu fui parar no Havaí depois de ter meu coração partido em Nova York; não sabia quanto tempo ia ficar lá; não tinha visto de trabalho; a amiga com quem eu tinha chegado lá havia acabado de ir embora e eu estava so-zi-nha numa ilha no meio do Oceano Pacífico.
Não sei por que eu achei que seria plausível, adequado, uma boa ideia, adotar uma gata adulta de uma pessoa que estava indo embora e não podia mais ficar com ela (na época eu não achei isso nada demais, que a pessoa estivesse se “livrando” da gata porque ia se mudar — hoje eu teria ficado indignada). Telefonei pro número no anúncio e combinamos a entrega.
O cara que chegou com a gata na mão era um motoqueiro estilo Hells Angels. Ele tinha esquecido de me informar que a gata era cega. Também não me explicou nada sobre gatos, sobre como eles não gostam de mudanças e como demoram para se adaptar a um novo ambiente. Eu não entendia nada de gatos. Levei a gata pra casa e ela imediatamente saiu pela porta que ficava sempre aberta. Para a escuridão do mato.
Eu deixei comida e água por vários dias na varanda. Eu nunca mais vi a gata.
Esse texto faz parte do livro “Todos os cachorros que abandonei”, da Alessandra Nahra. O livro está com financiamento coletivo para garantia da publicação. Para saber mais e colaborar com uma publicação feminina e feminista, acesse: https://www.catarse.me/todoscachorros . Você também podem conhecer mais sobre o trabalho da Alê em seu site e Instagram.