a revisão Cass, o jornalismo publicitário e Maria Mies
as TERFs estavam certas, os canceladores podem ir pro inferno e por que isso tudo está acontecendo agora
Hoje a track é longa porque temos um grande assunto: a revisão Cass. Começo com ela e termino com o aviso de que vai ter aulão de Introdução ao ecofeminismo socialista: o pensamento e a obra de Maria Mies. No final da track, tem todas as infos. Bora lá, sem mais delongas.
a revisão Cass (The Cass Review)
Coincidentemente, eu estava navegando nas notas do Substack quando a revisão Cass foi divulgada, na terça-feira, 9, 22h30 do Brasil. Em poucos minutos, as atualizações começaram a chegar. Rapidamente, a
trouxe algumas questões pertinentes sobre o documento, a saber: a falta de informações sobre os impactos dos bloqueadores de puberdade no desenvolvimento genital feminino, o que inclui o clitoris, de meninas submetidas aos bloqueadores e hormônios do sexo oposto (enquanto a palavra pênis aparece seis vezes); o pouco reconhecimento acerca do fato que a maior parte das crianças procurando esses tratamentos estão enfrentando homofobia internalizada; e a persistência na adoção irrestrita da teoria da identidade de gênero como fato real e objetivo (o termo “identidade de gênero” aparece 395 vezes ao longo do documento).A revisão da Cass foi encomendada em 2020 pelo Serviço Nacional de Saúde Inglês (NHS) para a conceituada pediatra Hillary Cass após uma série de escândalos envolvendo a clínica Tavistock, responsável por oferecer bloqueadores de puberdade, hormônios do sexo oposto e cirurgias para “adequação de gênero”em crianças e adolescentes, até então a principal clínica do tipo no Reino Unido. Juntamente com a médica, estavam pesquisadores da York University. Eles trabalharam no levantamento e análise dos dados e das diretrizes médicas de clínicas de gênero ao redor do globo e descobriram que referências circulares sustentam as principais diretrizes médicas, juntamente com meia dúzia de artigos acadêmicos com problemas de metodologia que comprometem suas conclusões.
O primeiro alerta de que algo muito errado estava acontecendo na Tavistock foi dado há mais de dez anos por uma então funcionária da clínica, Susan Evans. Depois vieram mais denunciantes, processos judiciais de ex-pacientes, um livro (Time to Think, da jornalista Hannah Barnes) detalhando os problemas da Tavistock (e a influência da ONG LGBTQ+ Mermaids nas diretrizes médicas) e, agora, a revisão Cass responsável por basicamente dizer mais do mesmo: não há evidências de que administrar drogas e fazer cirurgias é o melhor caminho para lidar com o rampante número de crianças e adolescentes se dizendo “trans”.
Nada novo sob o sol. A revisão Cass chega depois de já termos uma pilha de evidências que a transição em crianças e adolescentes (e até mesmo em adultos) não traz benefícios — e de contarmos com centenas de pessoas canceladas, com empregos e amizades perdidos, por alertarem para o escândalo médico do momento e para o quão ridícula é a ideia de que alguém nasce com um gênero diferente do seu corpo. Com a revisão, a Inglaterra se torna o quinto país europeu a restringir consideravelmente a transição em crianças e adolescentes. As TERFs/RADFEM estavam certas desde o começo e os canceladores, que prejudicaram milhares de pessoas com sua censura violenta, podem ir para o inferno porque nem lá serão bem recebidos.
É notável que, entre os anexos da revisão de quase 400 páginas, podemos ler uma carta da Dra Cass onde ela afirma a dificuldade de conseguir a participação das clínicas de gênero vinculadas ao NHS no estudo (a maior parte das clínicas só entregaram as informações solicitadas depois de serem formalmente obrigadas). Mas se todos estão tão certos sobre o “tratamento afirmativo” sendo oferecido em suas clínicas, por que tanta relutância em abrir os dados clínicos para uma revisão sistemática?
Ah, e esperem por isso: na revisão é possível descobrir que os médicos não se veem como responsáveis pelas consequências da sua prática médica, incluindo arrependimento por transformações irreversíveis e efeitos colaterais permanentes, como esterelização, perda de prazer sexual, problemas ósseos e problemas no desenvolvimento cerebral.
As análises sobre a revisão Cass seguiram ao longo da semana. Todo mundo que acompanha o tema fez alguns comentários: Kathleen Stock no Unheard (leiam!), e aqui no Substack os melhores foram de
, e a seleção de destaques no . Vocês vão perceber que às vezes as críticas ao conteúdo final se sobrepõe, mas, no geral, o relatório foi recebido com entusiasmo, ainda que sem grandes surpresas para aquelas e aqueles de nós prestando atenção.A melhor notícia é que deve sair do papel a ação legal coletiva de cerca de mil pacientes, por estes não terem sido avisados sobre as consequências do chamado “tratamento afirmativo de gênero” (ou de “adequação de gênero”) e terem sido erroneamente informados que a única saída para fora de sua “disforia” era por meio de bloqueadores de puberdade e cirurgias irreversíveis. Deus salve a indústria fármaco-médica por seus milagres!
O jornalismo publicitário e a nota medíocre na Folha de S.Paulo
A revisão Cass foi uma notícia tão incontornável que a Folha de S.Paulo não teve como não soltar uma nota. Isso mesmo, uma nota. Após anos agindo como líder de torcida do movimento transativista, ignorando deliberadamente os casos envolvendo delatores de dentro das clínicas de gênero, as mudanças de postura nos países europeus, começando pela Finlândia e Suécia, as pesquisas e revisões sistemáticas pré-existentes que demonstraram há muito tempo que a prática de “transição de gênero” é pura ideologia com efeitos colaterais severos, irreversíveis e completamente desnecessários do ponto de vista médico. Uma nota. Após anos tratando os dissidentes como preconceituosos da extrema-direita, publicizando artigos científicos em pró da transição de crianças e jovens comprovadamente falhos ou o fazendo de forma distorcida e ocultando as conclusões indesejadas, ignorando toda e qualquer abordagem divergente da ideologia que eles ajudam a sustentar. Uma nota.
É claro que a nota da Folha de S.Paulo não pediu nem uma única aspas dos psiquiatras que ajudaram a fabricar a distopia, entre eles o psiquiatra Alexandre Saadeh, que, segundo sua própria bio, diz que “é psiquiatra, psicodramatista e coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Núcleo de Psicologia e Psiquiatria Forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Professor no curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Escreve sobre cirurgia de transgêneros”. (Eu pedi, e as aspas me foram recusadas pela assessoria de imprensa do Ambulatório).
A primeira coisa que qualquer jornalista descente faria seria entrar em contato com Saadeh, um apoiador declarado da transição de crianças e responsável por colocar centenas delas em bloqueadores de puberdade e hormônios do sexo cruzado. Também era cabível falar com Erika Hilton, que sempre é fonte fidedigna do veículo em se tratando do tema, assim como os deputados da esquerda e da direita que já foram trazidos para o centro do debate pela própria Folha durante a CPI sofrida pelos Hospital das Clínicas. Não esqueçamos da Sociedade Brasileira de Psicologia, que criminaliza qualquer abordagem que não a afirmativa, colocando os psicólogos brasileiros sob o imperativo do silêncio.
Não surpreende por ser justamente a Folha de S.Paulo, aquela que fez de tudo para o golpe de 2016 acontecer e, depois da vergonha que foi o governo Bolsonaro que esta ajudou a eleger, deu uma guinada “progressista” tão medíocre quanto sua nota sobre o relatório Cass. A nota, é claro, não menciona a trajetória de cheerleader e o má jornalismo da Folha de S. Paulo.
Tampouco menciona que o movimento LGBTQ+ no Brasil, por meio de ONGs financiadas sabe-se lá por quem (mentira, nós sabemos por quem), está fazendo de tudo para tapar a boca das pessoas porque não há como o progressismo eleitoreiro sair ileso da ficção nociva de que “crianças trans existem” nas urnas, sobretudo após o G1 ter jogado no colo de todo mundo que crianças a partir de quatro anos estão no Hospital das Clínicas fazendo “transição de gênero” porque gostam de brincar com brinquedos considerados do sexo oposto.
O que de fato surpreende são os chamados veículos progressistas, independentes, investigativos, que “buscam revelar a verdade dos poderosos”, se portando como tapete para os interesses da indústria fármaco-médica passar e se revelando mais vendidos que a Anitta. Pelo visto, esses sujeitos entregariam seus “camaradas” para a forca em troca de alguns cliques sem nem titubear.
Cumprimento das profecias ecofeministas
Ainda nos anos 80, Maria Mies alertou para o fato que a separação entre sexo e gênero abriria caminhos para os cientistas “brincarem de Deus/Natureza” por meio da construção do sexo. Mulheres como Mies, com uma longa trajetória de atuação de base no movimento feminista, inclusive no Sul global, bem como de pesquisa sobre a Ciência e as tecnologias reprodutivas, sabiam o que estava por vir, sobretudo após a guinada neoliberal e pós-moderna.
Talvez o que permitiu à Mies enxergar o futuro foi sua outra conclusão prévia: o corpo é o primeiro e último meio de produção das mulheres. Seguindo as análises sobre “acumulação primitiva” de Rosa Luxemburgo, Mies vai constatar que o processo histórico da acumulação depende de separar produtores dos seus meios de produção. Por isso, não só as mulheres formam uma classe — no sentido marxista do conceito — como a resposta para a violência permanente contra os corpos das mulheres não se apoiam simplesmente na cultura (como tantas feministas insistem), mas no próprio processo de acumulação. Aqui está o salto teórico mais genial de Mies.
Quando Rosa Luxemburgo, contra os reformistas da Social Democracia alemã, afirmou que a dominação da classe proletária não repousava em relações legais, mas em “verdadeiras relações econômicas” (Reforma ou revolução, 1899), ainda que sem intenção, ela iluminou o caminho para compreender a persistência da violência contra as mulheres a despeito dos avanços legais (e, em algum medida, até mesmo culturais) ao longo do desenvolvimento da sociedade capitalista. Ao analisar os escritos das mulheres na Rússia soviética sob sua ótica, Mies também pôde entender porque — apesar do modo de produção capitalista ter dado espaço ao chamado socialismo de Estado — a divisão sexual do trabalho permaneceu, em grande medida, inalterada.
No atual estágio do modo de produção capitalista, é imperativo um salto qualitativo de acumulação, o que, por sua vez, demanda um novo consenso ético e científico sobre o que é ser humano. Não é possível forjar esse novo consenso sem ir no cerne do processo (re)produtivo, desnaturalizando-o por meio de tecnologias reprodutivas e reprodução em laboratório.
Essa ressignificação passa, é claro, pelo processo de morte. E é por isso que o “suicídio assistido” está sendo amplamente não só legalizado como facilitado. A maior parte das pessoas nem faz ideia de que isso está acontecendo. No entanto, esse é mais um mercado em expansão. Em 2023, a CBC reportou um aumento de 30% em quantidade de “mortes medicamente assistidas” em 2022 no Canadá junto com a pergunta: isso deve ser motivo de preocupação?
É possível encontrar dados de “mortes medicamente assistidas” em grandes veículos de notícias internacionais com uma simples pesquisa no Google, quem tiver interesse pode fazer isso. O meu ponto é: o que estamos vendo agora é parte de um longo processo de captura pela Ciência, com auxílio da Tecnologia, do processo de (re)produção da vida. O controle sobre a vida, a morte e a própria construção do indivíduo está sendo naturalizado por meio da ficção de que pessoas podem escolher seu sexo, comprar bebês, marcarem hora para morrer e serem ciborgues habitando o metaverso, onde não existem limites físicos (biológicos e ecológicos) para o processo de acumulação.
Dessa forma, o trabalho de Maria Mies é fundamental para a compreensão do nosso presente momento do ponto de vista da ecologia, da economia política e do feminismo. Sem compreender essa verdadeira avalanche de comodificação do sujeito, sobretudo das mulheres e crianças, não é possível agir contra ela. É por isso que vai ter aulão de Introdução ao ecofeminismo socialista: o pensamento e a obra de Maria Mies para duas turmas: na terça-feira, 30/04, às 18h e no sábado, 04/05, às 10h. Serão três horas (com 20 minutos de pausa). Para facilitar a participação, o encontro será online em sala fechada. O aulão não será gratuito, mas terá um valor de ajuda de custo.
O que será abordado? A vida e a obra de Maria Mies, destacando suas colaborações mais pertinentes para o movimento feminista como as origens da divisão sexual do trabalho, a relação entre a divisão sexual do trabalho e a divisão internacional do trabalho e a classe tripartite mulheres-natureza-colônias.
Atenção! Se você fez a Formação Ecofeminista, essa aula introdutória não é para você. O objetivo é aproximar as pessoas recém chegadas do pensamento miesiano.
Como participar: Chequem a tabelinha de valores para ver onde você se enquadra, me mande o comprovante do pix (caso haja), o email no qual quer receber o link para estar conosco e a data de preferência no marinacolerato@gmail.com (esse email também é a chave pix).
Apoiadores do financiamento coletivo Feminismo é luta de classes nas faixas R$ 500 e R$ 1000: grátis
Apoiadores do financiamento coletivo Feminismo é luta de classes nas faixas R$ 220 e R$ 350 ou apoiadores do lado b no plano anual: R$ 20
Apoiadores do financiamento coletivo Feminismo é luta de classes nas faixas R$ 150 e atuais apoiadores do lado b no plano mensal: R$ 30
Demais casos: R$ 40
Espero vocês no aulão e até a próxima,
Marina Colerato
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